Discurso

I

É bem certo que podeis criar deuses. Qualquer um os cria. Mas cuidado com os deuses que colocais no mundo! Eles acabam voltando-se contra vós mesmos. E lá estareis vós, infelizes! Imolando vítimas, lambuzados na gordura dos sacrifícios! Atordoados com o replicar dos sinos e o soar das trombetas. Mais prudente é criar também novos demônios e deixá-los combater uns aos outros. Este é o caos que nos interessa. Que se destruam e nos deixem em paz! Contudo, aos demônios interessa apenas que mostreis vossa força. E como se chama vossa força? Alguns a chamam de pecado. Este é o caos dos nossos tempos! O pecado é o bicho-papão que assombra as melhores almas, as mentes mais puras. Não se pode dormir sem antes olhar embaixo da cama! Ah meus amigos! O único mal que podeis fazer é contra vós mesmos! Todo o resto é um jogo de dados. E o bem só é bem, quando todos ganham. Pergunto a vós: Quem lucra com o teu bem e o teu mal?

II

Os piores deuses e os melhores demônios são criados pelos irmãos gêmeos: Amor e Ódio. Um supre a falta do outro. Um se finge do outro, e não podeis discernir na maioria das vezes quem é quem. Não tens a grandeza para discernir o azul do pálido. Então não desejeis criar novos deuses. É preciso ter uma intenção torpe para isso. Esquecer do bem e do mal, renegar os deuses e demônios, dormir em paz sem pesadelos, esta deve ser vossa busca.