Bloomsbury group e outras notas

Encontrei finalmente um espaço físico que me proporcione a estrutura suficiente para começar a escrever, uma necessidade que tive a felicidade ou infelicidade de possuir desde muito pequena. Confesso que ainda não sei qual dessa duas opções, mas creio que varia conforme a situação, pois a escrita é uma linguagem que urge, não permite espera, portanto quem nasce com essa infame semente dentro de si encontra-se, ao longo da vida, buscando refúgios para soltar a alma diante de um papel e uma caneta. Não precisa ser algo deveras elaborado, afinal é “somente” uma característica intrínseca do cérebro impaciente querendo organizar os nós que a vida deu.

Em tempos de imediatismo, vorazes tecnologias, redes sociais e as tantas mudanças que veem sendo impostas no caminho do ser humano, a tarefa de sentar-se e deixar fluir uma onda de pensamentos minimamente coerentes é dificílima. Sempre me pego escrevendo, apagando e reescrevendo linhas, me torturando ao perguntar-me se alguém um dia trocará a tela por minhas singelas palavras. Me autossaboto ao dizer que, talvez, eu não tenha realmente algo significativo a expressar, algo revolucionário, novo, extraordinariamente brilhante e capaz de mover uma horda de seres pouco interessados em literatura.

Sempre considerei que nasci em tempos errados, desde pequena jamais senti a sensação de pleno pertencimento a algum lugar, alguma pessoa, a esta época. Em minha condição feminina creio que este tempo é o mais livre e respeitoso quanto aos meus direitos básicos, tenho consciência disso, porém não posso evitar me pegar pensando desfrutar das virtudes de um tempo em que a leitura era mais valorizada, a presença era a única forma de contato humano e, por isso mesmo, a troca de ideias era vertiginosa, permitindo a formação de círculos intelectuais, artísticos ou somente casuais que fomentavam grandes emoções, do tipo que não sentimos comumente nos dias de hoje.

Perguntei-me por muito tempo porquê minha geração parece cada vez menos inspirada pelo viés artístico e, apesar do fato de que nós somos programados para o sistema corporativista e desde a pré-escola levados a preferir a matemática às artes e as ciências à literatura, culminando muitas vezes em uma castração do viés artístico, cheguei à conclusão pessoal de que não desenvolvemos esse instinto plenamente também porque não temos mais um círculo de pessoas com interesses em comum que se retroalimentam e acabam por inspirar umas às outras.

Tome, por exemplo, o caso da Inglaterra vitoriana de Virgina Woolf: ela, por si só, já possuía forte inclinação para a escrita, tendo em si um talento incrível para manejar palavras e sentimentos no papel, porém Woolf, pelo menos no início da maturação como escritora, cercava-se de outros talentos proeminentes que começavam a esboçar alguma notoriedade na Londres dos começo do século XX. Ora, através do chamado Grupo de Bloomsbury, o talento de Virginia poderia encontrar novas inspirações através de perspectivas a respeito da literatura, estética, criticismo, economia, feminismo, pacifismo e sexualidade de nomes como John Maynard Keynes, E.M. Forster, e Lytton Strachey, dentre outros, e vice-versa. Imagine só a riqueza que essas mentes traziam uma a outra após uma reunião regada a vinho, música e o mais delicioso contato humano.

Sinto falta disso sem nunca ter vivido uma situação de extrema intensidade na troca da arte. Sou apaixonada pela literatura, mas nunca encontrei um lugar onde pudesse desaguar o rio que corre dentro de mim e urge para fluir em direção a outras almas, pois nascer com a semente da escrita é nascer incomodada, é nunca se contentar com aquilo que nos é dado de imediato e, principalmente, é não conseguir carregar sozinha a imensidão daquilo que trazemos dentro do peito. Por isso sofro com essa era que Bauman bem definiu como “líquida”, porque sou sólida demais para isso tudo, ainda procuro meu próprio Grupo de Bloomsbury, ainda tenho esperança que talvez não nessa cidade, não nesse país, talvez na Europa, não sei...

Só tenho ciência que vivo muitas vidas em uma só e no final do dia parece que vivo pela metade. Tenho todo tempo do mundo quando acordo, mas pisco e já são meia noite e eu já tenho 23 anos, um diploma nas costas, nenhum emprego, meus diversos limites sendo ultrapassados por várias pessoas e ainda nenhuma linha escrita.

Isabela Maria
Enviado por Isabela Maria em 20/11/2020
Código do texto: T7116203
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