Transição
O cristal derretido turva a visão... Nos sulcos da face encontra caminho. Não há pranto, é tristeza...
O sorriso brilha à luz do dia mas retira-se quando o cinza do ocaso inunda o palco do mero viver.
Deixa o semblante entorpecido pela fuga das cores e o pesar da noite.
Ao final de mais um dia, da paz do repouso sequer guarda lembrança.
Estamos na transição entre o que nem bem vimos partir e o que nos chega sem se anunciar.
Assim tão de repente, num estalar de dedos, somos inundados por um mar de águas frias e escuras.
Para muito além do alcance dos braços, levaram nossos abraços...
O sorriso permanece mas - esqueça! - nem cogite de um simples beijo...
Fale, brinque, tranborde jocosidades. Porém distante, sem a presença dos amigos, na tela restrita de um dispositivo de acesso remoto...
A tristeza, não bastassem tão indesejadas novidades para o simples viver, se torna ainda indignação pela insistência de tantos na pueril negação e birrenta ira da frustração asfixiada.
É o mais virulento distúrbio desses tempos de transformação dolorosa.
A criança cruel e intolerante estertora em milhões de almas incapazes de aceitar o casulo que as vai aprisionando.
Não poucas rompem o ciclo natural e se condenam quais lagartas arredias à metamorfose. Sucumbem...
Na árvore da Vida, casulos rompidos ou malformados são lápides trincadas. Casulos outros, no seio de si mesmos, aguardam, temerosos, a maturação.
Haverá borboletas adiante.
Muitas não eclodirão...
Mas não poucas estarão a inaugurar delicadas asas no vôo de uma nova vida...