Ter a pia

Ter a pia pra mim é um negócio doido:

É ir livrando-me de alguns pesos e sujeiras

No momento em que a pilha vai baixando

E a água escura espumada e engordurada se vai,

Por entre o branco sanfonado.

Eu tô ali, em pé, com as mãos trabalhando em cada objeto,

Mas minha mente está devaneando...

Um dia vi uma foto em preto e branco de um grande filósofo e escritor - que não mais me recordo o nome - em ter a pia e, a partir de então, ele disse que seus melhores pensamentos para escritos são no momento em que, cotidianamente, realiza uma atividade doméstica, ou seja, que não requer grande esforço mental para realizá-la. Depois disso, passei a me perceber naturalmente fazendo essas atividades.

Em muitas delas me percebi com pensamentos legais e relaxantes:

Tem sido massa observar-me um pouco

Nas situações cotidianas (de casa), no momento

Em que as realizo, que requerem pouco esforço mental.

Em banho, em pia, em mesa, em varal.

Algo que esquecera aparece

Uma ideia nova para aquele trabalho da faculdade aparece

Uma resposta que preciso dar a alguém

E que outrora não pensei no que falar aparece

Um pensamento sobre o que fazer de legal em casa

Nesta pandemia aparece

Um tema para escrever aqui também aparece...

E é aí, nessa ter a pia e nessas ter a pias ocupacionais diárias

Em que a mente minha descansa de várias pressões.

Onde eu desperto para a criatividade,

Para algumas memórias, para algumas músicas

Alguns trechos de filmes,

Algumas situações relacionais que vivi dias antes

E paro para pensá-las de maneira mais leve,

Mais limpa, ensaboada e desengordurada.