Qual é o seu problema comigo?

Leio, releio e reflito. Interpreto as entrelinhas. Nela encontram-se os reais escopos da fala. O desprezo envolto na falsa mensagem de incentivo. A verdade nunca falhou e ferirá enquanto não for aceita e digerida. Você não é, nunca foi e jamais será minha amiga.
Por Deus, eu tentei. Tantas vezes que perdi a conta. Não posso ser acusada de desmazelo. Entretanto, seu julgamento a meu respeito sempre foi maledicente, calunioso, amparado em estereótipos falhos e tortos. Você nunca fez questão de me conhecer de verdade e eu emperrei com tanta força aquele portão de ferro para adentrar o seu mundo que a dignidade me lançou um olhar de reprimenda.
Eu não passei de um tapa-buraco.
Eu era útil apenas nas monótonas noites de sábado em que as amigas populares e descoladas estavam na balada ou com os namorados. E essas migalhas nutriram uma esperança falsa de ser aceita. Nos passeios a prioridade era sempre a fulaninha que na última hora desmarcava e a minha presença soava um fardo. Aliás, doía saber que depois de eu ir embora, a turminha ia ao cinema, comia sanduíches e se divertia loucamente. Se algum dia alguém fizer você se sentir pequena e insignificante, espero que se recorde da semeadura porque a hora da colheita chega e é inescapável.
Passados tantos anos e estou quebrada por dentro porque você me tem como uma inútil, alguém que não deu certo na vida, age sempre dessa forma que suscita em mim a sensação de que sou uma pessoa horrível, que você faz um favor em jogar de má vontade algumas migalhas para o cachorrinho carente se aquietar.
Por que estou querendo pular o muro de um terreno baldio sendo que no mundo tem tantas pessoas que me cederiam até uma cama para dormir? Por que me sujeito a acreditar que mereço tão pouco?
Essa postura blasé faz eu me sentir dentro de um monólogo. Sou culpada disso porque corro atrás do passado morto, desenterro o baú e seguro por entre as mãos as cinzas que escorrem pelos dedos. E algum caco de vidro sempre me machuca, eu sangro e não aprendo.
Nada mudou, nunca mudará. Você continua soberba, me olhando por cima dos ombros, crendo dispor de superioridade em relação a mim porque nos encontramos em fases diferentes da caminhada. Não importa o quão longe na vida eu chegue, você relativiza e desmerece minhas conquistas porque não aceita o meu talento, não o reconhece, lhe soa uma afronta. Você me demoniza, ainda que disfarce com mesuras.
Aliás, você pode escrever, mas eu preciso “viver mais a vida real”. Ora, em que aspecto minha escrita tanto te incomoda?
Sinceramente, não pretendo expor nem a metade do que gostaria de externar, entretanto, foi muito estranho quando eu adoeci, você abrir um blog de poesias medíocres e parar quando abri o meu; sempre me aconselhar a abandonar justamente o que me manteve forte todas as vezes em que suas palavras e atitudes me colocaram no chão.
Antes de prosseguir, gostaria de deixar claro que a escrita é a minha vida e dedicar-me a ela nunca me impediu de passar um tempo de qualidade com a minha família, estudar, ler, louvar a Deus, socializar e dar conta de outros afazeres. Porque se "viver a vida real" significa encher a cara, sair com gente de Tinder e ir para balada onde só toca música de gosto duvidoso para curtir a “adolescência tardia”, prefiro me nutrir de fantasia.
Eu não me escondi, me encontrei no universo das palavras.
Eu encontrei algo em que era boa e decidi trabalhar para ser ainda melhor, escolhi compartilhar histórias com outras pessoas e me conectar a elas. Num mundo que me silenciou, estes textos são meus murmúrios quase roucos ecoando no infinito. E eu não sou menos gente porque meus livros não vendem, apenas escolhi prezar pela autenticidade, honrar a essência e dialogar com o contingente de pessoas que apreciam a minha voz.
Meus livros não vendem porque muitos deles estão presos a documentos no Microsoft Word, porque reeditá-los ainda é algo dolorido, porque a escrita me fará lembrar de quem eu costumava ser antes de um abusador levar embora a melhor parte de mim, antes de sofrer bullying num lugar onde escritores deveriam amparar e incentivar outros escritores, não incitar a rivalidade. E se tiver de mudar para ser "comercial", prefiro continuar no anonimato porque sentiria nojo de mim mesma se me vendesse tão barato e propagasse valores incompatíveis com minhas crenças.
Porque, no fundo, a analogia da escrita não passa tão distante assim do nosso vínculo. Embora você me tenha como um ser inferior, trata-me como se eu representasse algum tipo de ameaça, como se estivesse faltando homem no mundo ou porque não tenho um, sobre nada posso opinar. Você pode escrever abobrinhas, eu não posso produzir minha arte, preciso “viver a vida real”.
Enquanto escrevo, vivo a vida real da melhor maneira possível porque esses pulmões tão dignos do sopro da vida quanto os seus estão respirando, o coração batendo, os músculos todos formando a engrenagem maravilhosa que viabiliza inclusive este desabafo. Estou produzindo conteúdo, direcionando-o para o meu nicho, buscando inspiração, apreciando tudo que me cerca, aprendendo a amar cada pedacinho meu para ser mais autossuficiente.
Não tenho uma lista extensa de amigos, estou aprendendo a matar pessoas em vida e não vou implorar pela sua amizade, não mais, não estou em 2008.
Escrever é viver.
Pode ser uma habilidade que muitas pessoas possuam e aprimorem com leituras, cursos, observações, mas a prática sem dúvida alguma é a professora mais habilidosa porque cada escritor impõe personalidade ao texto à medida que insiste e é capaz de fazer uma autocrítica do próprio trabalho.
Esse mito de que a inspiração é uma entidade que baixa na cabeça do escritor e é responsável pelos grandes sucessos não passa de falácia. Existe muito esforço envolvido que ninguém enxerga, seja por desatenção ou por não querer.
Neste ano coloquei como meta amar e aceitar (mais) as pessoas do jeitinho que elas são — porque exigir delas perfeição que nem sequer tenho é covardia —, entretanto, não posso compactuar e engolir desaforo velado. Sou trabalhadora, mas na maior parte do tempo recebo ataques injustos de quem nunca teve a honradez de calçar meu allstar e sentir onde dói.
Invisível, sim. Capacho, não.
Amar e aceitar as pessoas do jeitinho que elas são não significa abaixar a cabeça e aceitar calada abusos, desaforos, desfeitas e grosserias, existe uma diferença abismal entre encarnar o papel do capacho e ser obediente. Você sempre encheu a boca para prescrever como eu deveria agir, me sentir, fazer, ter, baseando-se na sua vivência, sem um pingo de empatia para se colocar em minha pele e tentar enxergar o mundo sob o meu olhar.
Desmerecer meu trabalho é ilógico se você faz merchan de graça para uma blogueira que nem sabe que você existe só porque ela tem milhares de seguidores e ostenta a vida luxuosa nas redes sociais, sendo que aquela sua amiga que dá um duro danado te pede ajuda e você tem o disparate de dizer pelas entrelinhas que ela "não vive a vida real" ou só porque não bate ponto numa repartição que não trabalhe de verdade, não mereça apoio. A Youtuber ganha para falar o que os patrocinadores querem ouvir, a autenticidade acaba quando o negócio se torna monetizado. Então, se a ideia é essa, vou apoiar o trabalho das jornalistas de TV incríveis que mereciam mais visibilidade.
Deixei o casco em 2020. Agora eu retruco. Pode me chamar de louca, do que quiser, mas não vou permitir que ninguém diminua meus esforços, muito menos você. Todo projeto começa pequeno, mas com esforço, foco e dedicação, alcançará os corações que necessitam desse alento.
O seu conceito sobre "vida real" não coincide com o meu, sinto muito. Se sou obrigada a te respeitar mesmo quando você me desacata sutilmente, faço uma pergunta impertinente: qual é o seu problema comigo?

 

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 15/01/2021
Reeditado em 02/11/2021
Código do texto: T7160004
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