Sobre o Aprisionamento da Beleza

Tudo o que você quer obter, essencialmente para mostrar para os outros, tem prazo de validade.

O carro do ano, a mulher mais linda, o homem mais cobiçado: eis o cerne da coisa, a beleza deseja ser livre.

Os anos passarão, o carro do ano sairá de moda. Talvez a mulher mais linda, e o homem mais cobiçado alcem novos rumos: talvez eles sejam vitrine, assim como aquele carro novo, e almejem por público.

Certa vez, com uns 11 anos, eu quis criar uma luminária viva. Com um tição, eu atraí vagalumes, e os coloquei dentro de uma garrafa. Tapei a boca dela com papel amassado, e saltitante, comemorei o feito. Era só chacoalhar agora, quando eu quisesse.

Imaginei aquela luz verdinha no meu quarto a noite toda, pois no sítio não tinha luz elétrica: só lamparina, velas, lua cheia no pé de serra, quando o tempo não estava nublado.

A noite, quando a balançava, notei que eles não tinham o mesmo brilho; tontos, certamente cansaram.

Toda empolgação excessiva, cansa a novidade. Um equilíbrio invertebrado.

Meu pai, pela manhã, vendo o feito ficou furioso:

-- Você não pode aprisionar a beleza. Tudo o que é belo deseja ser livre!

--Não faça isso com os bichinhos, você sabe que eu detesto!

Soltei os vagalumes rente ao pé de limão. Quão tristes estavam. Estavam desbotados. Papai adverteu-me sobre lavar as mãos. Aquela purpurina vegetal poderia ser venenosa.

Creio que não sobreviveram por causa das galinhas no quintal. Um desatino cometi, agora eles eram, apenas Jonas imerecidos no ventre das aves.

A beleza da paisagem nos encontra. A verdadeira amizade nos encontra sorrateiramente, desfazendo más impressões.

O Amor nos dá nocaute: tão repentino como ventania que desarruma a casa, e ventamos sem grandes preocupações.

Reciprocidade é vagalume verdinho que a gente voa junto, sem medo de garrafa.

A cor cinza é estabilidade: aquela blusinha surrada, que cai bem em qualquer ocasião; pantufa, café, riso livre, sem preocupações com um kilo de make para impressionar.

Tudo o que você quer mostrar é vitrinismo.

Os maiores desafios são vencidos do lado de dentro; quando vencidos, você não terá a necessidade voraz de demonstra-los, a quem te humilhou, duvidou, feriu e prejudicou.

Viver será mais interessante que qualquer status.

Poeta de Borralho
Enviado por Poeta de Borralho em 27/02/2021
Reeditado em 14/11/2021
Código do texto: T7194199
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