O desamparo da insignificância - Blaise Pascal

O filósofo Blaise Pascal (1623 – 1662) escreveu vários livros, mas “Pensamentos” – seu livro póstumo de 1670 – é o mais conhecido. Pascal trás uma visão filosófica sobre nós seres humanos de intenso desamparo. Sua crítica sobre o vazio existencial da vida é algo perturbador. Pascal é herdeiro de uma tradição filosófica que considero uma das mais importante: o pessimismo sobre nós seres humanos. Admiro sua filosofia existencial trágica, de moral negativa, sobre nós humanos pela seguinte razão: esta filosofia, geralmente, tem uma compreensão mais honesta de quem somos. Suas observações sobre quem somos nós são mais duradouras e assertivas.

Pascal faz parte de uma galeria de filósofos que não tinha uma visão nada otimista pelo ser humano. O pessimismo de Pascal sobre o ser humano também vem de uma perspectiva religiosa cristã medieval relacionada ao “pecado original”. Quando Adão e Eva traíram a confiança de Deus, por terem comido o “fruto proibido” da árvore do conhecimento, selaram todo tipo de desamparo à vida humana. Para o filósofo somos perturbados aos constantes desejos sexuais (o pecado da carne), não somos confiáveis e nos entediamos facilmente por qualquer coisa. E, por isso mesmo, somos tomado por sentimentos de tédio, angústia e desespero diante da vida. Todo este estado de sentimentos de tédio Pascal irá chamar de vazio existencial.

O que é este vazio existencial ao qual se refere o filósofo? O raciocínio de Pascal é o seguinte. O vazio da nossa existência pode ser compreendido através de uma escala de medida matemática. Não se esqueça que Pascal foi um grande matemático. Você vê o mundo e a si mesmo com qual régua de medida? Por exemplo: se você comparar o seu tempo de existência mediante a existência do universo qual a significância de sua existência? Para Pascal nenhuma. Sua existência é insignificante em relação a existência do universo. O universo tem uma dimensão infinita e nós uma dimensão finita.

Para o filósofo, o nosso tempo de vida é quase ínfimo quando comparado ao tempo de existência anterior e posterior ao da terra. Tente imaginar o tempo da vida humana comparado ao tempo de existência do universo! Nossa existência é humilhada. Agora compare o nosso tempo de vida ao tempo de vida de um mosquito que tem um ciclo de existência de mais ou menos 60 dias. O mosquito teria inveja (caso pensasse) do tempo de existência dos humanos. Uma eternidade não é mesmo! É desta régua de escala do tempo que Pascal se refere sobre nossa insignificância diante do universo.

Segundo Pascal cada um de nós ocupa um espaço ínfimo no espaço infinito do universo. Para o filósofo, o ser humano está suspenso entre dois infinitos: o primeiro de grandeza, o outro de pequenez. Somos nada diante do tudo e somos tudo diante do nada. Dançamos de maneira angustiante através destas duas escalas de medidas entre o finitamente pequeno e o infinitamente grande. Privado de Deus, o ser humano é só angústia devido sua situação de desamparo diante do universo, bem como pela ausência de sentido de sua existência.

O ser humano, diz Pascal, “é fundamentalmente vaidade, a qual remete ao que é vacuidade, vazio, inconsistência. A vida psicológica e social do homem repousa na vaidade e no vazio”. A morte e o tédio são os maiores testemunhos da miséria do ser humano sem Deus. A ausência de Deus é o nosso mais profundo desamparo. Tem mais! Pascal afirma que a morte afeta o que temos de mais importante: nossa felicidade ou infelicidade eterna. O tédio, por sua vez, revela o nosso nada: o ser humano em repouso não pode deixar de sentir o seu nada. O sentimento de tédio, de vazio e do nada nos causa nossa miséria e desamparo.

Por isso, para Pascal, damos tanta importância ao divertimento. O divertimento nos desvia da consciência do nada, ou seja, do nosso vazio existencial; acalenta o nosso desamparo. Essa é a razão de nos ocuparmos com tantas distrações. Os jogos, as festas, o trabalho, a atividade intelectual, o exercício do poder e, tantos outros recursos, são formas de nos ocuparmos para ocultar a nossa miséria e desamparo neste mundo. O divertimento é um paliativo, diz o filósofo, um expediente que tem apenas um efeito passageiro e não é, de modo algum, o verdadeiro remédio para nos sentirmos seguro nesta vida.

Este aterrorizante pessimismo de Pascal sobre nós humanos desvela toda nossa miséria e insignificância diante do universo. Para o filósofo, nada é mais insuportável para o ser humano do que estar em repouso, sem paixões, sem afazeres e sem divertimento. Sem tais ocupações, diz Pascal, o ser humano sente então todo o seu nada, seu abandono, sua impotência e seu vazio. Por isso, o ser humano experimenta o seu vazio buscando socorro nas coisas exteriores para preenchê-lo. Eis aí a existência trágica que o desamparo acomete à todos nós.

Pascal parece querer nos ajuda amadurecer intelectualmente com sua visão pessimista a cerca de nós mesmos. Ele deseja nos tirar da vaidade e do narcisismo que ilude e invade constantemente as nossas vidas. Essa visão trágica do filósofo perturba e desampara nossa consciência acerca da vida. De um lado, Pascal afirma que não temos nenhum controle externo sobre o grandioso universo que, por isso mesmo, nos esmaga. Por outro lado, não temos nenhum controle interno sobre nós mesmos, uma vez que são as emoções que nos governam. O desamparo atormenta as nossas vidas tanto de fora para dentro (o mundo exterior) quanto de dentro para fora (a vida interior).

Pascal nos oferece alguma solução para todo este desamparo filosófico sobre o quanto é vazia e tediosa a vida? Teria a vida humana alguma saída gloriosa diante da sua impotência sobre o universo grandioso que nos torna insignificante e desamparado? Para Pascal, sim. Segundo ele devemos deixar de lado a razão e nos lançamos numa fé cega à Deus. Somente Deus, afirma o filósofo, pode nos arrancar do desamparo do vazio e do tédio da vida, bem como do desamparo da nossa insignificância diante do universo. Pascal parece não ter suportado seu próprio pessimismo lógico que lançou sobre nós; acabou ele mesmo se rendendo à maior exterioridade das distrações humanas – a metafísica religiosa. Ou seja, para resolver o seu vazio existencial Pascal se ocupou com Deus. Risível distração.

Wander Caires
Enviado por Wander Caires em 01/03/2021
Reeditado em 03/06/2023
Código do texto: T7195794
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