Tormento, Impureza e Teimosia

Levítico 15:19

"Quando uma mulher tiver fluxo de sangue que sai do corpo, a impureza da sua menstruação durará sete dias, e quem nela tocar ficará impuro até à tarde.”

Levítico 15:25 - 28

"Quando uma mulher tiver um fluxo de sangue por muitos dias fora da sua menstruação normal, ou um fluxo que continue além desse período, ela ficará impura enquanto durar o corrimento, como nos dias da sua menstruação. Qualquer cama em que ela se deitar en­quanto continuar o seu fluxo estará impura, como acontece com a sua cama durante a sua menstruação, e tudo sobre o que ela se sentar estará impuro, como durante a sua menstruação. Quem tocar em alguma dessas coisas ficará impuro; lavará as suas roupas, se banhará com água e ficará impuro até a tarde. Quando sarar do seu fluxo, contará sete dias e depois disso estará pura.”

Estes são trechos da Lei de Deus expressa através de Moisés, registrada no livro de Levítico, que versava sobre a vida que o povo de Israel, até então recém liberto da escravidão egípcia, deveria levar e alcançar sua Terra Prometida. Trata-se de uma diretriz instaurada muito antes da vinda de Jesus e que perdurava até aqueles dias e regia todo o povo - o que indica que era por vontade do próprio Deus que se cumprissem tais determinações sobre quem estava impuro... Seja qual for a interpretação acerca das razões para tal, o fato é que o próprio Deus ordenou que assim acontecesse. Em um cenário de respeito a esta e a outras leis, mediante o entendimento de que o Senhor quis que assim fosse, é que acontecesse a nossa história:

Marcos 5: 25-34

E estava ali certa mulher que havia doze anos vinha sofrendo de uma hemorragia.

Ela padecera muito sob o cuidado de vários médicos e gastara tudo o que tinha, mas, em vez de melhorar, piorava.

Quando ouviu falar de Jesus, chegou-se por trás dele, no meio da multidão, e tocou em seu manto,

porque pensava: "Se eu tão-somente tocar em seu manto, ficarei curada".

Imediatamente cessou sua hemorragia e ela sentiu em seu corpo que estava livre do seu sofrimento.

No mesmo instante, Jesus percebeu que dele havia saído poder, virou-se para a multidão e perguntou: "Quem tocou em meu manto? "

Responderam os seus discípulos: "Vês a multidão aglomerada ao teu redor e ainda perguntas: ‘Quem tocou em mim? ’ "

Mas Jesus continuou olhando ao seu redor para ver quem tinha feito aquilo.

Então a mulher, sabendo o que lhe tinha acontecido, aproximou-se, prostrou-se aos seus pés e, tremendo de medo, contou-lhe toda a verdade.

Então ele lhe disse: "Filha, a sua fé a curou! Vá em paz e fique livre do seu sofrimento".

Um dia, provavelmente, esta mulher cujo nome não conhecemos viveu o início de seu ciclo menstrual e naturalmente, obedeceu a determinação expressa em Levítico e isolou-se para o seu período de purificação. Então, esperou que, também naturalmente, tudo fosse passar... Eram sete dias; mas veio o oitavo dia e o fluxo ainda não havia cessado. Depois, veio o nono dia, o décimo dia, o décimo primeiro dia... Um mês, um ano, dois anos... Doze anos.

Nos últimos doze anos, por exemplo, tivemos três Copas do Mundo, três eleições presidenciais, eu passei do terceiro ano do Ensino Fundamental para o terceiro ano de faculdade e meu irmãozinho foi de feto a pré-adolescente. Doze anos são, literalmente, a duração de uma vida toda. Os doze anos de espera para o fim de um tormento (que, acreditava-se, fosse durar sete dias) provavelmente foram uma escola sobre solidão, agonia e, com um pouco de descuido, sobre conformismo também.

Quando uma espera de sete dias se torna uma espera de doze anos, perder a esperança é compreensível. Note que não estou falando sobre o patriarca Abraão que tinha uma promessa clara de Deus sobre sua descendência ou sobre o líder Moisés guiando o povo à Terra prometida sob a direção expressa do Senhor – mesmo estes homens enfrentaram seus percalços. Aqui, a história gira em torno de uma mulher, de nome desconhecido, muito provavelmente israelita, isolada pela própria Lei de Deus. Alguém que, mesmo sem bênçãos expressas e promessas subjetivas claras, não perde a esperança, não se conforma e gasta tudo o que tem em busca da cura: padece sob os cuidados de vários médicos piorando ao invés de melhorar e doze anos depois, ainda busca meios e expressa fé na ocorrência de um milagre. Ela é, para mim, um dos maiores exemplos de perseverança e insistência existentes – por perseverança, entende-se “qualidade de quem não desiste com facilidade” e por insistência, “ação ou efeito de insistir, de pedir, de teimar”, segundo o Dicionário OnLine do Português.

Ao ver Jesus, a mulher reconhece nele sua chance de Salvação. Mas, teoricamente, não pode se aproximar: não pode tocar ninguém, imagine o Mestre! O que fariam a ela se descobrissem que ansiava expor os outros à sua impureza? Diante de sua maior chance, não se dobra sequer aos próprios medos e quebra todos os protocolos para alcançá-lo. Com a possibilidade de tocar Jesus, nada mais importa. A fé dela é tão viva e eficaz que um breve toque nas roupas de seu Senhor a cura de todos os males. Além de perseverança, há coragem.

Um coração capaz de transformar tormento em uma fé esperançosa ao ponto de não precisar sequer usar palavras para expressar seus anseios só pode ser proveniente de extraordinária dádiva divina. Provavelmente, nos tempos de maior angústia, tentou recorrer ao Deus de seu povo: suplicou, clamou, esperou e no tempo certo, tornou-se não só o que queria ser – uma mulher pura, curada e saudável, apta a retomar o digno convívio em sociedade – mas algo muito maior que um dia pudera imaginar: um exemplo de fé que perdura por milênios e segue inspirando milagres. E sequer sabemos seu nome! O que me leva a crer que, o que importa não é quem somos (nomes, cargos, atribuições), mas os corações que carregamos e aquilo em que depositamos nossa fé: é este o legado eterno. E, sem dúvidas, o legado desta mulher gerará frutos enquanto o Evangelho for pregado.

No fim da história, Jesus Cristo, o próprio Deus encarnado, Filho do Altíssimo, faz questão de falar com ela. A olhos simplistas, religiosos e tão somente humanos, a maioria de nós em seu lugar no mínimo repreenderia a quebra da Lei e declararia impuro tudo o que ela tocou, gerando intensa humilhação - uma dose a mais – para a transgressora da Lei; afinal, poderia isto parecer o “certo”. Mas, graças ao Pai, Jesus nunca foi simplista e muito menos cegamente religioso: com o coração cheio de amor, manifestou Sua vontade. A mulher, então, temerosa, sabendo que não poderia esconder-se de sua face e se arrependeria se o fizesse, se revela e recebe (a meu ver) uma das manifestações mais carinhosas de toda a Bíblia: é chamada de filha, tem sua fé reconhecida, é abençoada com paz pela própria paz e é livrada de seu sofrimento.

Jesus sempre viu e sempre verá corações.

Camila Amizadai
Enviado por Camila Amizadai em 26/03/2021
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