Convivendo com narcisistas: a religião não ajuda

Apenas a pessoa que tem o azar de conviver com um narcisista – seja o parceiro, parceira, mãe ou pai – sabe o quanto a pessoa que tem esse transtorno de personalidade é tóxica e perversa. Todo narcisista é desprovido de empatia e tornará a vida de quem está ao seu lado um verdadeiro inferno. As vítimas de um narcisista podem perder o senso de identidade, a autoestima, desenvolver depressão e até pensamentos suicidas.

Lamentavelmente, muitos – inclusive psicólogos e terapeutas – ainda veem o narcisismo como uma doença mental, assim como o transtorno bipolar ou depressão. Mas, segundo os que o estudam a sério, o narcisismo é mesmo um transtorno como a psicopatia. Assim, não devemos esperar que essas pessoas mudem ou melhorem. O que é mais provável de acontecer é que elas nos façam mudar para pior, tornando-nos amargos e infelizes.

Como sabemos bem, é comum que pessoas que estejam enfrentando problemas no seio familiar procurem ajuda na religião. Muitos templos evangélicos, igrejas católicas e centros espíritas estão lotados de pessoas que passam por sérios problemas familiares. E, com certeza, muitos dos que têm um narcisista em casa buscam amparo na religião. Só que a religião não ajuda. Na verdade, a religião atrapalha, porque não prepara a pessoa para lidar com o problema de conviver com um narcisista como se deve.

Enquanto psicólogos e terapeutas familiares que estudam seriamente o narcisismo recomendam que nos afastemos dessas pessoas para sobreviver e ter uma vida sadia, a religião prega exatamente o contrário, ensinando que se deve ser submisso e dócil, aguentar a “provação” que Deus mandou para testar nossa fé, ser resignado e orar por tal pessoa para que ela mude. Acontece que o narcisista nunca mudará. E é melhor dizer uma cruel verdade do que enganar alguém com belas mentiras. A cruel verdade é que o narcisista, além de não mudar, envenenará nossas emoções e destruirá nossa saúde mental se não adotarmos medidas de autopreservação.

Entre as belas mentiras que nós podemos ouvir, muitas são contadas no meio evangélico, como :”Deus vai lhe dar a vitória, irmão.” Ouvimos bastante que, se tivermos fé em aguentarmos tal tipo de provação, seremos grandemente recompensados. Entretanto, muitas são as pessoas que oram por cerca de vinte anos e nada veem acontecer. Muitas mulheres, ex-evangélicas, que foram casadas com maridos abusivos e narcisistas, disseram que ouviram muito da boca de pastores que o que passavam era um desafio que Deus estava colocando em suas vidas para fortalecer sua fé e que, um dia, elas conseguiriam inclusive levar seus maridos para dar testemunho na igreja sobre como haviam encontrado Jesus. Como é de supor, nada aconteceu e muitas dessas mulheres, além de deixar de frequentar as igrejas evangélicas, cansadas de esperar pelos milagres de restauração das suas famílias, resolveram deixar seus maridos por não aguentar mais uma rotina de abuso psicológico e/ou físico.

Uma moça, filha de um pai narcisista, ouviu na igreja evangélica que frequentava que era errado ela querer se afastar do pai. Diziam-lhe muito: “Você deve entender que Deus pode ter outros planos para você, que se afastar do seu pai não é o caminho certo. Lembre que Jesus morreu na cruz por nossos pecados e sofreu muito mais.” Outra, que fez oficina de oração católica, também filha de narcisista, escutou que tudo que ela passava era a cruz que ela devia carregar e que ela não devia querer ir para longe do narcisista, mas orar pela família. Acontece que ser casado com um narcisista ou ter pai ou mãe narcisista é garantia de um ambiente familiar doentio onde predominarão intrigas, acusações, cobranças injustas e agressões físicas e psicológicas. O narcisista não ama ninguém.

Uma pessoa cujo pai era o que ela podia chamar um protótipo de narcisista escutou de uma obreira na igreja evangélica que frequentava que aquilo não era ele, mas o Inimigo que o levava a agir daquela forma e outra, que foi espírita, ouviu que a situação que vivia com o genitor narcisista e cruel era dívida de uma vida passada e que ela não devia sonhar se afastar do pai, pois, se o fizesse, iria ter que conviver com ele em outra reencarnação. Dá para notar que a lógica do carma é bastante cruel, dando a entender que, se uma criança for filha de pais que a maltratam e até abusam dela, é porque fez por merecer, ao passo que uma que vive em um ambiente familiar saudável é mais evoluída espiritualmente.

Aconselhar-se com um padre, pastor, diretor de centro espírita ou qualquer pessoa religiosa a respeito do inferno que é viver com um narcisista nunca levará ninguém a nada. Quem não convive com o narcisista irá apenas aconselhar que você ore pela união familiar, dizer que se deve carregar a cruz porque “Jesus já a carregou por nós”, entender que temos que aprender a amar as pessoas mais difíceis de ser amadas e aproveitar essa “lição que Deus colocou no nosso caminho” para nos santificarmos, porque o sofrimento nos “aproxima de Deus.”

Só que, com o tempo, você percebe que apenas você está lutando pela união familiar, coisa que um narcisista nunca fará. Narcisistas gostam de provocar, chamar a atenção para si, humilhar e causar contendas no seio familiar. Eles são incapazes de amar e nunca estarão satisfeitos com nossos melhores esforços. E não é justo que uma pessoa lute sozinha, afinal, no meio familiar, era para que todos fizessem sua parte pela harmonia entre os membros.

Notamos mesmo que tudo que as religiões recomendam é o contrário do que pregam os psicólogos e sobreviventes de relações com narcisistas: afastar-se da pessoa, pois o narcisista é como um maldito vampiro psíquico. Ele nos mata aos poucos, tirando o melhor de nós, fazendo-nos acreditar que não temos valor nenhum. Conviver com eles é morrer um pouco todos os dias. Afastar-se deles é garantir nossa saúde mental e emocional. Eles não se importam conosco, apenas nos querem por perto para ter em quem pisar e se sentir superiores.

Se você tem um parente narcisista e tem a má sorte de viver com ele sob o mesmo teto, aprenda de uma vez por todas que essa pessoa é perversa e que ser resignado, aceitar que isso é uma provação com algum propósito divino ou uma cruz que você tem de carregar só irá lhe adoecer até que, assim como um burro de carga morre de exaustão após uma vida de esforços e maus-tratos, você irá sucumbir. Ninguém pode aguentar uma situação injusta para sempre. Também precisamos cuidar de nós.