Invenções

Tudo voltará ao normal, pensamos

Esperançosos

Tentando viver, por vezes, fomos morrendo

Morreu-se um pouco com as ausências

De quem, por vezes, esteve tão perto.

Morreu-se um pouco quando perdeu-se o rotineiro de todos os dias. Esse lugar conhecido e de certo modo seguro.

Morreu-se muito quando as limitações impostas pelo desconhecido, forçosamente nos exigiu adaptação. A vida que é movimento, evidenciou a instabilidade de forma gritante.

Mudaram-se os formatos.

O contato ganhou um caráter virtualíssimo.

O toque, foi por algum tempo banido.

Os sorrisos mascarados.

A vida voltou a acontecer nas casas.

Nas casas em que já con(viviam), o acolhimento foi sustento.

Nas que co(existiam), talvez tenha sido um tormento.

O mundo que é vasto.

Foi reduzido a pequenos novos mundos.

Que com paciência, aos poucos, fomos percebendo não serem tão pequenos assim.

As (des)importâncias de um modo de viver automático, foram revistas.

As (in)significâncias ganharam novos olhares admirados.

Os olhares ganharam destaque, tempo de olhar, esforço para ler.

Ler o olhar triste de quem já se desgastou.

Ler o olhar de quem faz um último esforço para que a água parada não flua ali naquele instante.

Ler o olhar que sorri por ter encontrado algum sentido por menor que seja e que se tornou vital.

Ler o olhar que está triste, quer chorar e sorrir, tudo ao mesmo tempo.

Ler o olhar que precisa do abraço e inventar algo que abrace, sem que os corpos se toquem.

É isto que temos aprendido a fazer: invenções.

Somos inventores por natureza.

Inventamos abraços que chegam pelas telas.

Inventamos novas formas de ensinar.

E de aprender.

Inventamos valores novos para escuta e para a fala.

Inventamos até o que já existia.

Porque inventar também é descobrir.

Inventamos um jeito de ir, sem se locomover.

Inventamos modos de celebrar.

Inventamos ânimo num mar de desânimo. Inventamos tanto no último ano que estamos cansados.

Daí aprendemos a inventar descansos.

E tá aí o incrível de sermos inventores.

Há sempre algo novo possível de ser inventado.

Inventemos pois, esperanças.

Porquê uma esperança só, se podemos inventar esperanças?

Inventar esperanças talvez seja como reunir numa manhã de sábado e promover um espaço de fala e de escuta com os recursos que temos.

Inventar esperanças pode ser ainda ligar para o amigo que já não suporta os aplicativos de mensagens e dizer que a vida anda uma dureza mesmo, mas que é alento ouvir a voz dele.

Inventar esperanças pode ser cultivar um jardim e aprender a contemplar o belo.

Inventar esperanças pode ser algo como resgatar memórias, criar memórias afetivas, reunir a família ao redor da mesa e se dar conta de que ali é exatamente o lugar em que se quer estar.

Inventar esperanças é promover espaços de escuta sem que seja necessário apontar soluções.

Inventar esperanças é puxar teu amor pelo braço, colocar a música preferida de vocês e dançar pela casa como se dançassem pela primeira vez.

Inventar esperanças é coisa de gente que já entendeu que o era já não nos serve, é preciso criar algo novo.

Eu invento esperanças escrevendo e você o que tem inventado por aí?

Mariany Mendes
Enviado por Mariany Mendes em 11/04/2021
Reeditado em 11/04/2021
Código do texto: T7229037
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