Sobre crianças e quintais

Miseráveis os que tiraram os quintais das crianças e tiraram as crianças dos quintais.

Este é um pensamento livre, então só escrevo o que me vem à mente.

Hoje, no princípio da segunda década do século 21, o trabalho de uma vida não compra uma casa e nem cria uma criança. Uns poucos homens poderosos sobem o preço de tudo e põem a culpa na tal inflação e sabe-se lá mais o quê; outros, acumulam mais e mais e deixam a migalha pros outros. Para a maioria resta somente uma vida atarefada ao extremo, sem horário de entrada e saída, folgas, férias ou aposentadoria.

Cada vez trabalha-se mais para ganhar menos.

Meus pais vieram de Minas Gerais sem nada além de seus braços e conquistaram uma casa, três filhos e uma aposentadoria; e sem nem sequer completarem o fundamental. Eu tenho faculdade, emprego público, mais de trinta anos e pouco mais do que algumas economias.

Meu sonho é uma família e uma casa com quintal. Um quintal para plantar, tomar um refresco com minha mulher e observar os meninos brincarem ao pôr-do-sol.

Mas este é um sonho distante. Distante no tempo e no espaço. Tempo que eu juntaria dinheiro para fazer isso ralando sem ver minha família; espaço que não dividiria com eles em minha atarefada ausência.

Moro numa cidade violenta, perigosa, cara. A vida transformada em algo tão difícil que convida a não vivê-la. A eutanásia, suicídio e aborto têm adeptos fervorosos. Pessoas moram em cafofos escuros e tristes e são convencidas constantemente de que é melhor ficarem sozinhas. Gastam suas economias com porcarias pueris e nem tentam guardar para sair de suas cavernas cada vez mais profundas. Enchem seus corações de gordura, açúcares e sais em vez de amor.

Não que a culpa seja toda delas, mas essa é a verdade.

Uma geração engraçada, ri de tudo. Até de seu vilipêndio. Sabem um pouco de tudo. Vivem acauteladas. Por trás de seus muros, aplaudem pontes. Não querem maridos que mande nelas nem esposas que os limitem; não querem filhos que lhes deem despesas.

O amor se resume a um fardo. O materialismo está surgindo efeito. Para quê gastar tempo e dinheiro com outros que não a Netflix? A Amazon? O Google, Facebook e tudo o mais?

(Jeff Bezos e Mark Zuckerberg não são ricos à toa).

Enquanto isso, nessa distopia tão natural, seguimos morando em cada vez menos metros quadrados. Carrinhos pequenos, redução de embalagens, pesos, medidas e até de cachorros. Redução de famílias e corações.

Hoje temos poucos quintais e menos crianças. Isso é um sintoma de um tempo diferente.

Eu diria doente.

Há quem diga que não, que é só a marcha da história. OK, seja lá o que for, pouco importa. Mas miseráveis sejam os que tiraram os quintais das crianças e tiraram as crianças dos quintais.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 18/04/2021
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