Tens a epiderme, mas não te entrego o miocárdio

Tocar minha pele foi fácil

Sem muito esforço

Um sorriso entreaberto, um olhar diferente

E eu te entreguei tudo

Suas mãos tocaram cada parte do meu corpo feito uma festa

E eu gostei

Gostei até você fazer tudo errado

Até o momento que ao invés de virar para o lado e dormir você quis saber meu nome

Para onde eu ia

De onde eu vim

E eu fui me fechando porque para mim aquele interesse era alheio

Não entendia porque ter meu corpo não era suficiente

Você ia escavando tão fundo

Advinhava antes que eu dissesse

Já me conhecia, só perguntava por satisfação

Pra esfregar em minha cara que eu já o pertencia

E então tudo veio como uma enxurrada

Entender que você havia descoberto o mais profundo do meu peito

Sem que eu ao menos pronunciasse

Eu me peguei sentindo medo

Medo de que você fosse embora

Medo de que os meus segredos não fossem suficientes

Joguei a chave fora

Corri para casa e deitei na cama

Não sentia meu corpo, nem minha pele, tampouco meu peito

Só sentia o seu gosto envenenando a minha boca

Sentia a falta de ser sua

Talvez agora eu entendesse que o miocárdio não é algo que pode ser dado

Embalado em fita e ofertado como um presente

Ele é roubado

Arrancado do seu peito com força sem que você possa pestanejar

Eu só peço encarecidamente que cuspa todos os meus segredos

Me devolva o miocárdio

Aquela calcinha de renda preta

E o par de brincos que esqueci em sua estante