O desamparo da angústia - Soren Kierkegaard

Soren Kierkegaad (1813 - 1855) escreveu livros que deu à ele dois títulos: o de filósofo e de teólogo. Ele inaugura a chamada filosofia da existência, também conhecida com existencialismo, que terão como seguidores posteriores nada mais que filósofos como: Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Martin Heidegger, Karl Jaspers entre outros. Os livros mais conhecidos de Kierkegaard são: "É preciso duvidar de tudo" (1842/43), "Temor e Tremor" (1843), "Ou isso, ou aquilo: um fragmento de vida" (1843), "O conceito de angústia" (1844), "O desespero humano - doença até a morte" (1849) entre outros.

O conceito de "angústia" é central na filosofia de Kierkegaard. Para ele, a angústia é um sentimento que atravessa a consciência humana o tempo todo. Por quê? Porque a relação do ser humano com o mundo e com outros seres humanos, bem como com a natureza, são dominados pela angústia. Mas qual é o entendimento que Kierkegaard faz de angústia? Para ele, angústia é um sentimento profundo que todos nós temos da instabilidade da vida. É quando tomamos consciência de que a vida não tem qualquer garantia. É quando estamos conscientes de que o mundo é um lugar de acontecimento possíveis, ou seja, tudo é possível de acontecer.

Por isso mesmo, diz Kierkegaard, que a vida de cada um de nós é marcada por inquietações e desesperos; uma vez que nada do que foi planejado está garantido: tudo pode acontecer. As expectativas criadas que cada pessoa faz de sua vida, não tem qualquer garantia que sejam realizadas. Sendo assim, a angústia é esta consciência profunda que o ser humano passa a ter acerca do desamparo do viver, ou seja, a vida é uma existência desamparada.

Esta consciência de que a vida não tem nenhuma garantia; tudo é instável e tudo pode acontecer desenvolve em nós o sentimento de angústia. Em um mundo onde tudo é possível acontecer; então viver é ter que fazer escolhas, eis aí o nosso maior desamparo. Como fazer as escolhas corretas para vida? Qual a melhor decisão correta que devemos tomar? Para o filósofo, este estado de incerteza diante da vida nos causa medo e angústia; a razão do nosso desamparo.

A própria fé em Deus - Kierkegaard se refere a divindade Cristã -, é uma decisão que nos exige uma uma espécie de "salto no escuro". A fé envolve risco, ela não é uma escolha racional. A fé é um escolha solitária, por isso mesmo, ter uma fé é uma decisão angustiante que causa o desamparo individual. Para Kierkegaard, a fé é um ato angustiante, uma vez que se relaciona com as escolhas que o indivíduo deve fazer para demonstrar sua crença em Deus. Quem escolhe o caminho da fé em Deus, diz o filósofo, está totalmente sozinho nesta escolha, por isso mesmo, a fé é uma escolha solitária; daí todo o desamparo.

A experiência da fé para Kierkegaard, não tem nada haver com ir a igreja e ficar cantarolando e louvando, ou mesmo, ficar discutindo dogmas. A experiência da fé em Deus tem haver com uma escolha sem resposta por parte de Deus; por isso, é uma escolha silenciosa e solitária que o filósofo chama de "salto na fé". Fazer escolhas é da condição humana, daí toda a angustia e o desamparo de viver.

Segundo Kierkegaard, não existe uma predeterminação na vida de qualquer pessoa, ou seja, ninguém sabe por antecedência como se deve viver a sua própria vida. Essa indeterminação da vida promove a própria angústia de viver. Por não sermos predeterminados, a existência humana é livre em meio as possibilidades de ser. Estas possibilidades indeterminadas tornam as escolhas um risco, uma experiência sem garantias e, por isso mesmo, geradoras de angústias e desamparo.

De acordo com Kierkegaard, a angústia se dá pelo estado de silêncio de Deus com os seres humanos. Este silêncio de Deus gera um sentimento de abandono ou desamparo ao ser humano; uma vez que ele vê a sua vida no universo sem direção ou destino. O silêncio de Deus faz a vida parecer ter um destino cego, daí todo o desamparo. Como escapar desta angústia e desamparo? De acordo com o filósofo, o ser humano tenta escapar da angústia e do desamparo a partir de três dimensões ou estágios de sua existência.

A primeira tentativa de escapar da angústia da vida é por via sensoriais que o Kierkegaard chama de estágio estético. Este é o primeiro estágio da existência humana e ele está relacionado pela procura dos prazeres corporais que podem ser: por relacionamentos sexuais, pelo consumismo, por esportes radicais, usos de drogas, enfim, por tudo aquilo que possa causar sensações corporais excitantes. Esta tentativa de resolver a angústia pelas sensações corporais sempre fracassam, pois elas são fugazes e, por isso mesmo, sempre voltamos a querer repetir cada vez mais e mais as mesmas sensações. Nesta experiência estética a angústia da vida não se resolve. O estágio estético não elimina o desamparo da existência humana.

O segundo estágio da existência humana, o filósofo Kierkegaard, denomina de estágio ético. Neste estágio, os indivíduos procuram ter uma vida correta no sentido de respeito e de obediência às normas sociais. Procuram ser um bom pai, uma boa mãe; procuram ser um bom marido, uma boa esposa; procuram ser bom filho, uma boa filha; procuram ser um trabalhador honesto; uma trabalhadora honesta; mas nada disso adianta ou têm poucos resultados em suas vidas.

Para Kierkegaard, toda uma vida honesta pode não significar nada, nem mesmo qualquer compensação social. Sendo assim, diz o filósofo, a pessoa desenvolve uma angústia causada pelo ressentimento existencial de que uma vida ética foi um desperdício, uma escolha ingênua e, até mesmo, em alguns casos, uma escolha idiota. No estágio ético, o desamparo se instala no indivíduo, ao perceber que toda uma vida que foi organizada ao rigor da ética não foi suficiente para eliminar a angústia de viver.

O terceiro estágio que é o estágio religioso, o filósofo Kierkegaard chama a atenção para uma dupla angústia existencial. No estágio religioso, do tipo doutrinário, é o momento em que o indivíduo vive uma vida religiosa pautada por normas, costumes e ritos de um determinado grupo religioso institucional. Para o filósofo, nas religiões do tipo doutrinárias, o indivíduo também irá vivenciar um processo de angústia diante da sensação de fracasso; um desamparo na experiência dos ritos religiosos. Por que? Por que logo a pessoa descobre que participar de grupos religiosos não elimina as mazelas da vida humana.

Ao participar de um grupo religioso, o indivíduo irá vivenciar as mesquinharias, as fofocas, as vaidades, as ações interesseiras da vida religiosa institucionalizada. A vida religiosa doutrinária não retira ou elimina a angústia de viver. Mesmo no estágio religioso do tipo doutrinário, diz Kierkegaard, o indivíduo vive o desamparo do fracasso da vida social religiosa.

Já no estágio religioso, do tipo "salto na fé" (a religião em si, sem doutrinação institucional), o filósofo adverte que também não elimina a angústia e nem o desamparo. Por que neste estágio religioso também há angústia e desamparo? Por que, para Kierkegaard, o ato de acreditar em Deus é, por si só, uma escolha solitária de cada indivíduo. Esta experiência religiosa baseada numa confiança absoluta em Deus, um “salto na fé”, é sempre silenciosa.

Para o filósofo, o fato de alguém acreditar em Deus ou de se lançar numa fé cega à Deus, dá um "salto na fé", não significa que Deus tenha que retribuir. Ou seja, Deus não tem qualquer dívida com quem acredita nele. Deus nada deve a quem nele tenha fé. Por isso mesmo, diz Kierkegaard, a fé é um salto no escuro; a razão de tanta angústia e desamparo.

Segundo Kierkegaard, o “salto na fé” não elimina a angustia e nem o desamparo. Por isso, a vida humana é sempre uma existência angustiante. Ninguém escapa dela em quaisquer etapas ou estágios da existência da vida. Em Kierkegaard, a dúvida e a angústia foram escolhas filosóficas e religiosas que efetivamente interferiram em sua vida afetiva de forma indelével.

Sua vida amorosa desamparada pela dúvida e angústia se metamorfoseou em uma filosofia. Deste desamparo amoroso nasceu uma filosofia da existência. Sim, muitas vezes, é do desamparo afetivo que nascem as grandes obras filosóficas e teológicas. Em Kierkegaard, a filosofia e a teologia uniram-se para refletir uma existência desamparada pela angústia.

Wander Caires
Enviado por Wander Caires em 23/05/2021
Reeditado em 22/09/2023
Código do texto: T7261993
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