O preconceito contra ateus e certas religiões

Não faz muito tempo, eu ouvi de uma determinada pessoa que estava assistindo às notícias sobre um pai de santo preso por estupro: “Todo pai de santo ou é gay ou é estuprador.” Engraçado, não? Para tal pessoa, é natural que um pai de santo seja gay ou estuprador. E o que dizer de tantos padres e pastores gays ou estupradores que vemos por aí? Quando saem notícias sobre um padre pedófilo ou um pastor que estuprou uma fiel de um templo evangélico, todos ficam escandalizados, dizendo: “Mas como é que pode, uma pessoa que diz ser de Deus fazendo isso?”

O que isso mostra? Definitivamente, mostra que precisamos aprender, de uma vez por todas, a desvincular caráter de religião. Não podemos mais julgar alguém por ser ateu, agnóstico, muçulmano ou adepto de uma religião de matriz africana e achar que alguém é automaticamente bom por ser cristão. E, se ser cristão tivesse realmente a ver com caráter, todas as pessoas que se encontram nas igrejas católicas e templos evangélicos seriam boas.

O preconceito contra as religiões de matriz africana é tal que as crianças adeptas dessas religiões sofrem bullying na escola, chegando a sofrer ameaças e agressões físicas e terreiros de umbanda e candomblé são depredados e até atacados. Aliás, nas favelas, traficantes evangélicos oram antes de atacar tais lugares. Onde estão o amor e a compaixão cristã? Que moral alguém que ganha dinheiro vendendo drogas e destruindo a vida de várias pessoas tem para atacar outro alguém por causa de sua crença pessoal?

Por causa desses preconceitos, ouvimos absurdos dos mais diversos tipos. Quem é ateu ou agnóstico com frequência ouve que quem não acredita em Deus não pode ser uma pessoa boa, porque os ateus teriam uma moral relativa e não buscariam a santidade. Embora possamos pegar muitos exemplos de ateus decentes e honestos – o que prova que ter ou não uma crença não faz diferença no caráter de alguém – muitos são os que insistem que ter uma religião faz diferença sim e que, se um cristão não é uma boa pessoa, é porque não é uma “verdadeira pessoa de Deus” ou então é apenas um cristão de estatística. Entretanto, o que dizer desses beatos que, aqui na minha cidade, nós chamamos de baratas de igreja que podemos dizer tudo deles, menos que são boas pessoas, pois são maledicentes, arrogantes e mesquinhos?

Um outro argumento que devemos contra-atacar é aquele que diz que ensinar os princípios cristãos da moral e decência bastariam para reprimir determinados impulsos libidinosos. Vamos ser sinceros. Se ensinar os princípios cristãos bastasse para domar a libido de alguém, não haveria padres e pastores estupradores ou tendo casos com os frequentadores das igrejas. Não adianta também dizer que esses casos são uma minoria, porque o que importa é que há padres e pastores tendo casos em segredo ou então abusando de crianças ou fiéis. O número não importa, pois o que importa são os fatos. Uma pessoa que matou cinco é menos assassina do que uma que matou vinte?

Precisamos parar de atacar alguém por não acreditar em Deus ou seguir um credo diverso do cristianismo como se apenas os cristãos pudessem ser pessoas boas, honradas e decentes. Também temos de entender que o fato de muita gente ser ignorante e conhecer superficialmente sobre certas religiões ou filosofias é que leva a preconceitos infundados como os de que ateus não são boas pessoas, adeptos de religiões de matriz africana são macumbeiros e têm pacto com o diabo e que muçulmanos são terroristas radicais. Temos de ver as pessoas como um todo.

Os preconceitos nos impedem de ter uma convivência civilizada com as demais pessoas e nos impedem de ver que todos são muito mais do que os credos que seguem, a cor da pele, gênero ou orientação sexual. Não podemos mais separar ninguém por categoria porque somos todos seres humanos iguais em direitos e deveres. Temos de nos desvincular de conceitos absurdos e ampliar nosso entendimento. Não faz sentido dizer coisas do tipo: “Fulano não presta porque é ateu” ou “Todo pai de santo é homossexual.”

E é terrível ouvir pessoas famosas, como o naturólogo Richard Rasmussen, dizerem que: "O homem mais perigoso é aquele que não acredita em nada... é um cara que eu não quero ao meu lado, eu quero um cara temente... a linha que separa a coragem da estupidez é muito fina..." Outra pessoa conhecida que mostrou preconceito foi o apresentador da Band José Luiz Datena, que disse: “Um sujeito que é ateu não tem limites e é por isso que a gente vê esses crimes por aí.” Tais afirmações, além de ofensivas, revelam uma imensa ignorância dessas pessoas, que deveriam entender que caráter é algo único e que crer ou não em Deus ou seguir uma religião não-cristã é algo de foro íntimo. Só diz respeito à própria pessoa.

Pelo visto, essas pessoas devem ignorar muitos fatos. Ignoram que a população carcerária é composta quase inteiramente por pessoas que acreditam em Deus e que, em países de população majoritariamente ateia, como a Suécia, as prisões estão fechando por falta de criminosos. Aliás, na Noruega e Suécia, os índices de corrupção e criminalidade estão entre os mais baixos do mundo. A realidade desses países contraria o que é afirmado por Datena sobre ateus não terem limites morais.

Também não faz mais sentido recorrer a desculpas que muitos usam quando apontamos uma pessoa que não presta e vive na igreja: “Ah, é porque não é uma verdadeira pessoa de Deus.” Essa é uma falácia típica e, da mesma forma que alguém diz que um cristão de péssimo caráter não é uma verdadeira pessoa de Deus, um muçulmano, observando outro muçulmano de maus costumes, poderia afirmar que é porque não é um verdadeiro servo de Alá.

Entendamos que a pessoa é boa porque é boa, não porque segue uma determinada religião. Afinal, se seguir uma religião fizesse realmente diferença, não veríamos tantos padres e pastores com o péssimo caráter. E isso deve ser levado em consideração porque os padres e pastores são aqueles que conduzem o povo que vai às igrejas ou templos evangélicos e, em princípio, deveriam ser idôneos. Mas vejamos casos como o da deputada Flordelis, suspeita de ter mandado matar o marido. Isso prova que tanto há pessoas boas e más dentro quanto fora do ambiente religioso.

É lamentável que muita gente ainda veja a religião como um distintivo, um certificado de bom caráter, e uma boa prova disso é o fato de muitos candidatos a cargos políticos usarem o nome de Deus para angariar votos. Quem não lembra que Bolsonaro usou o slogan: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”? Usar o nome de Deus é uma forma eficiente de ganhar a confiança do eleitorado, visto que ateus, agnósticos e não-cristãos são olhados com desconfiança e até hostilidade. Se um candidato, mesmo competente e honesto, disser que é ateu, com certeza não conseguirá quase nenhum voto.

Um fator interessante a ser observado é um estudo feito pelo sociólogo norte-americano Phil Zuckerman, autor do livro Sociedade sem Deus: o que as nações menos religiosas têm a nos dizer sobre contentamento. Ele apontou que, nos Estados Unidos, os grupos mais religiosos eram a favor da pena de morte, indústria bélica e da intervenção em outros países, ao passo que pessoas menos religiosas eram contra essas coisas e mais a favor do direito dos negros. Zuckerman também apontou que os afro-americanos, sendo a população mais religiosa, enfrenta mais problemas como pobreza, mortes violentas, gravidez na adolescência e que os menos religiosos, que são os descendentes de asiáticos, tinham uma vida mais próspera e satisfatória.

Tudo isso nos ensina que ainda temos muito que evoluir no sentido de conviver com as diferenças entre as pessoas. O preconceito, seja de que tipo for, precisa ser combatido. Devemos combater preconceitos contra religiões, raças, gêneros e contra os grupos LGBT. Estamos no século XXI e não dá mais para sermos movidos por ideias desprovidas de fundamento e bom senso.