Quando os pais não querem entender

Quem assistiu à novela Páginas da Vida, de Manoel Carlos, lembra que, entre os muitos personagens estava Ana, interpretada por Deborah Evelyn. A personagem, que não havia conseguido realizar o sonho de ser bailarina, queria porque queria que Gisele, sua única filha, fizesse balé, por mais que a menina dissesse que não sonhava ser bailarina. Mas, apesar da menina deixar claro que não queria seguir tal caminho, a mãe não queria entender e recorria a todo tipo de pressão e chantagem emocional para forçar a menina a fazer balé, além de ser extremamente controladora. Ela era tão preocupada que a menina não engordasse que caía em cima da filha se a visse comendo um pedaço de torta. O resultado é conhecido por todos os telespectadores: a menina desenvolveu bulimia e quase morreu devido às consequências da doença, o que forçou os pais a refletir sobre a responsabilidade que haviam tido no desenvolvimento do quadro de saúde física e mental da filha.

Em cenas realmente tocantes, a menina dizia à mãe que não estava feliz fazendo balé, mas a mãe jogava na cara dela que deixava de fazer coisas que gostava para acompanha-la às aulas de balé e chegava a força-la a faltar às aulas escolares. Helena, a protagonista vivida por Regina Duarte, disse em uma cena que a Ana era uma excelente mãe, mas pecava pelo excesso de zelo. Na verdade, ela pecava em várias coisas, chegando a ser paranoica. A menina não tinha privacidade e o pai, embora fizesse oposição aos exageros da mãe, não o fazia com a energia necessária e, numa cena em que ambos estão no hospital em que Gisele está internada, discutindo sobre suas possíveis culpas, Ana diz que ele havia sido ausente, ouvindo como resposta que ela, por sua vez, forçara Gisele a fazer balé desconsiderando a vontade desta e ficava louca com medo da filha engordar, falando: “A menina não podia nem ver um sorvete ou pão com manteiga, que você já caía em cima.” Claro que numa hora dessas já não adianta mais saber quem é o culpado.

A história de Gisele deve servir de exemplo para uma triste realidade de muitas famílias mundo afora: o fato de que os pais, com frequência, não querem entender que não cabe a eles decidir o destino dos filhos. Muitos são os que querem que os filhos sejam médicos, advogados ou qualquer outra coisa, esquecendo que os filhos são outras pessoas, com outras personalidades e sonhos. Se um filho ou filha quiser seguir a carreira dos pais ou sucedê-los nos negócios da família, isto deve ser uma decisão individual, nunca uma imposição. Infelizmente, nossa cultura ainda segue aquele velho princípio de que “os pais sabem o que é melhor para os filhos”. Bem, pais são seres humanos e também cometem erros. E um erro que muitos deles cometem é achar que os filhos devem realizar os sonhos que eles não realizaram ou então seguir as mesmas carreiras deles.

Um livro que poderia ser muito útil para mostrar que os pais têm que entender que os filhos precisam seguir seus próprios caminhos é o paradidático A ladeira da saudade, de Ganymedes José. Neste livro, a mãe da protagonista Lília quer afastá-la do rapaz que gosta dizendo que é para o bem da filha. Tia Ninota, uma parente idosa, para mostrar que a mãe está errada, diz que ela não pode saber o que é melhor para uma pessoa que tem outra personalidade, coração e espírito, mostrando muita sabedoria. E, de fato, se nós com frequência não sabemos o que nos serve, saberemos então infalivelmente o que serve para outras pessoas, ainda que sejam nossos filhos?

Um caso comovente foi o de uma moça, que já tinha um curso superior e estava procurando emprego, a quem o pai obrigou a fazer outro curso superior. Ela rebateu que fazer outro curso não era futuro para ela, que o que ela queria era arrumar um emprego para ter logo a sua independência financeira. Ela tentou achar apoio na mãe, dizendo que era ridículo voltar a estudar quando o que ela queria encontrar trabalho mas a mãe foi a favor do pai, dizendo que seria bom para ela ganhar conhecimento.

A moça disse que não queria fazer outro curso, que iria se sentir ridícula em meio aos colegas mas os pais disseram que ela só tinha a ganhar. E o pai fez bastante pressão, falando: “Você é louca total, como pode não gostar de um curso bom desses? Eu quero que você faça para lhe ajudar e você não quer fazer? É muita ingratidão.” A mãe acrescentava: “Minha filha, como você pode dizer que não tem vocação? Deixe de ser radical.” Ainda que a filha explicasse que tinha horror a seguir carreira na área, os pais teimavam, falando: “Você pode acabar descobrindo que gosta, minha filha, pare de tanto radicalismo.” Vamos ser razoáveis. Imagine uma pessoa que odeia animais. Faria sentido os pais a obrigarem a estudar Veterinária? Alguém diria que esses pais são sensatos?

Infelizmente, essa moça não teve o apoio de quase ninguém. Muitos disseram que seria bom para ela conhecer gente nova e outros falaram: “Obedeça aos seus pais, eles sabem o melhor para você. Talvez esta tenha sido uma maneira que Deus encontrou de fazer você encontrar o seu caminho, a sua verdadeira vocação.” E, ainda que ela dissesse que sentia vontade de chorar todo dia por ser forçada a estudar em algo que nunca sentira vontade de fazer, brigavam com ela, chamando-a de ingrata.

Como dá para perceber, os pais dela não quiseram entender e ela se viu forçada a fazer o curso. Ela chegou a dizer a mãe que estava infeliz, explicando: “Eu tenho vontade de chorar todos os dias, sinto-me uma impostora, estou vivendo uma mentira, fazendo algo que não tenho vocação, fazendo isso só para agradar a outra pessoa. Mãe, eu estou perdendo tempo. Quero trancar esse curso. O que eu queria era ir atrás de emprego.” Mas a mãe fez uma voz chorosa dizendo: “Minha filha, um curso desses é bom para você se aprimorar. Não faça isso. Pense bem, seria uma pena alguém com notas tão boas não querer terminar um curso.”

Sejamos francos. O que pais como a Ana de Páginas da Vida e tantos outros que existem na vida real, que se recusam a entender os pensamentos e sentimentos dos filhos, revelam ao se recusar a ouvi-los e compreendê-los? Revelam que são pessoas egoístas e desprovidas do menor bom-senso. Nenhuma pessoa deve viver para satisfazer às expectativas dos outros. Khalil Gibran, em sua obra O profeta, deixa bem claro que os filhos não pertencem aos pais. Os filhos podem ter vindo ao mundo através dos pais, mas não são propriedade deles. Pena que muitos pais, mesmo nestes nossos tempos, não queiram aprender tal verdade. Os pais devem aconselhar, claro, não decidir a vida dos filhos por eles.