Por que não devemos acreditar

Se há algo que aprendemos quando deixamos de acreditar em religiões é que não podemos, aliás não devemos acreditar nas “verdades” que pessoas religiosas dizem. Após sairmos das redomas ilusórias em que as religiões nos aprisionam, percebemos que muitas dessas “verdades” que os religiosos dizem com tanta convicção não têm o menor fundamento e são afirmações que eles repetem porque foram ensinados a acreditar sem questionar. Se nós temos dúvidas a respeito do que nos dizem, logo somos criticados por nossa “falta de fé”. Porém, se questionarmos a fundo e refletirmos seriamente, logo vemos que muitos dos dogmas religiosos não têm a menor lógica e que muitas pessoas acreditam neles porque não se dispõem a questionar, passando a repetir como papagaios coisas que lhes foram impostas como verdades absolutas.

Vejamos uma afirmação que uma pessoa uma vez disse a outra acerca de uma situação que esta vivia. Ela disse: “É a sua cruz que você tem que carregar.” A pessoa que fez tal afirmação era católica devota. Vamos questionar. Como alguém pode ter tanta certeza que o sofrimento que outra pessoa passa é uma cruz que lhe foi imposta e que ela deve carregar com resignação? Por acaso Deus lhe falou diretamente para que ela pudesse falar com tanta convicção? Pensemos em Isabela Nardoni, Henry Borel, Bernardo Boldrini e tantas outras crianças que estão sendo maltratadas pelos seus pais ou responsáveis. Esta é a cruz que tais crianças devem carregar? Imaginemos pessoas que nascem em meios miseráveis. A miséria é uma cruz que se tem que suportar? E por que Deus acharia que uma criança tem que carregar a cruz de sofrer violência física, psicológica e até sexual enquanto outras serão amadas e protegidas? Alguém poderia dizer que um Deus desses é justo?

Muitos dizem: “Agradeça a Deus pelos pais que você tem.” E que Deus é esse que faz uns nascerem em lares amorosos e outros, em lares tóxicos, onde elas sofrerão todos os tipos de maus-tratos? Isso lembra o filósofo Sam Harris, que diz que, quando alguém agradece a Deus por conseguir pagar a hipoteca da casa ou se curar de um eczema, esquece que, neste momento, Deus supostamente está deixando de fazer o bem a milhares de pessoas. Segundo o filósofo, esse tipo de fé é obscena, pois é uma fé que se recusa a pensar honestamente. Como qualificar um Deus que observa o sofrimento de tantos inocentes e supostamente nada faz? Ou Ele não é onipotente ou não é benevolente.

Um exemplo típico que serve para questionar se esse Deus que apregoam é justo é o do desastre aéreo. Imaginemos alguém que sobrevive a um acidente de avião no qual morreram dezenas de pessoas. A pessoa que sobreviveu pode dizer que escapou por causa de um milagre, de uma intervenção divina? Por que Deus a salvou e deixou que outras dezenas de pessoas morressem no trágico acidente? Esse Deus faz acepção de pessoas, favorece a uns, permitindo que escapem praticamente ilesos e deixa que outros morram ou fiquem aleijados?

Também podemos questionar ao pensarmos no caso de uma moça, cuja mãe morrera de câncer, que deixou de acreditar no Deus bíblico e ouviu de uma mulher: “Mas minha filha, não se revolte com Deus. Veja como Ele é maravilhoso. Há vinte anos, Ele curou minha mãe de um câncer.” Vejamos a afirmação dessa mulher. Ela, querendo dizer como Deus é maravilhoso por ter curado a mãe dela, pareceu não considerar que Deus aparentemente não quis salvar a mãe da outra.

Entretanto, se questionarmos os crentes com tais reflexões, eles logo se sairão com as desculpas usuais de que Deus é misterioso e está além de nossa compreensão. Como eles podem ter tanta certeza? Por acaso já averiguaram? Com certeza não. Estão simplesmente repetindo dogmas que têm sido ensinados e impostos. Dogmas são perigosos porque nos obrigam a aceitar tudo passivamente, não nos permitindo que usemos nossa capacidade de raciocínio para examinar a realidade em que vivemos. E a verdade é que a realidade desmascara muitos desses dogmas.

Quando acontece de algo na nossa vida não estar dando certo, é comum ouvirmos que isso pode estar acontecendo por não “colocarmos Deus à frente de tudo” ou então que “às vezes Deus não ajuda porque a pessoa não merece.” Vamos questionar. E o fato de vermos tantos ateus e agnósticos darem certo na vida? Afinal, ateus não colocam Deus na frente de nada. Eles confiam apenas no próprio esforço para conseguir o que almejam. Mas os crentes talvez se saiam com a desculpa de que não adianta ter sucesso se não se “coloca Deus na frente”. E será que podemos acreditar que, se às vezes as coisas não dão certo é porque Deus deixou de nos ajudar por não merecermos? Vejamos novamente o caso de crianças inocentes sofrendo nas mãos de pais perversos. Deus deixa de ajuda-las por não merecerem? Mas com certeza falarão que Deus não pode interferir no livre arbítrio, argumento muito usado para dizer que Deus não é responsável pelo mal que existe no mundo.

Outros argumentos são os de que não podemos valorizar demais esta vida que vivemos aqui porque o mais importante é a Vida Eterna. Só que ninguém sabe se existe mesmo a Vida Eterna. E esse é o problema das religiões. Somos induzidos a acreditar passivamente em crenças e princípios que são ensinados como verdades mas cuja veracidade jamais foi sequer comprovada.

Se perguntarmos a um católico ou evangélico o porquê de Deus aparentemente ficar inerte diante do sofrimento de um inocente, talvez ouçamos que são os mistérios de Deus, mas que nem por isso devemos duvidar de Sua bondade. Caso o questionado seja um espírita ou alguém que acredite em karma, provavelmente dirá que tudo se explica pela lei do karma. Se levarmos a sério a lei do karma, teremos de aceitar que uma pessoa vive uma vida melhor à medida que reencarna. Então, uma pessoa que nasce em lar amoroso e boas condições de vida fez por merecer?

Caso aceitemos a lei do karma, teremos então que aceitar que Suzane von Richthofen é espiritualmente mais elevada do que Isabela Nardoni, morta pela madrasta e pelo próprio pai. Suzane nasceu num lar de classe média alta, com todas as oportunidades, estudou nos melhores colégios, cursava Direito numa das melhores universidades do Brasil e, até onde sabemos, tinha bons pais. Se não houvesse contribuído para o assassinato deles, talvez hoje fosse uma advogada de sucesso, juíza ou promotora de justiça. Podemos aceitar sem questionar se é justo que Isabela Nardoni e Henry Borel foram mortos pelos que deveriam zelar pela segurança deles porque tinham pesadas dívidas kármicas?

Por que não podemos mais aceitar sem questionar o que os religiosos afirmam? Porque, em primeiro lugar, não há provas de que as “verdades” que eles propagam são realmente verdade. Um cientista afirma algo apenas após muito estudo e observação e, até poder provar que suas hipóteses são válidas, irá analisar todas as possibilidades. Podemos dizer que o fumo faz mal à saúde ou que a Aids é uma doença sexualmente transmissível porque pessoas estudaram para que soubéssemos disso. Mas não podemos dizer que o sofrimento pelo qual alguém passa é uma cruz que se deve carregar ou um karma resultante de uma vida passada porque não há provas.

E, ao vermos uma pessoa dizendo que Deus existe e isso é um fato, lembremos bem que assim como muitos dizem ter certeza de que Deus é real, muitos tinham certeza de que os gatos eram bruxas que haviam mudado de forma. Aliás, muitos são os que têm certeza de que corujas trazem a morte ou que gatos pretos trazem azar. E em cima de que lógica alguém pode dizer que uma coruja trará a morte? Por acaso há algum estudo que confirme isso? Assim como não há provas de que corujas trazem a morte, também não há nada que comprove que uma pessoa tem que carregar uma cruz ou pagar um karma de outra vida.

Baseados nisso, questionemos também se fazem sentido os argumentos de que Deus tem planos para nossas vidas. Uma prova da inconsistência dessa afirmação é que ela contraria outro argumento: o do livre-arbítrio. Assim, não nos deixemos mais levar por “verdades” que os religiosos usam. Sejamos livres, questionemos e usemos nossa inteligência. As pessoas estão apenas dizendo aquilo que foram ensinadas a acreditar.