Árvores

...Existem árvores esbeltas, formosas e frondosas. Suas folhas geram bem estar, sombra e frescor. Permitem o ensino, o lazer, a meditação, a reflexão. Servem de pausa para prosseguir caminhadas longas em rotas acidentadas, ingremes e sinuosas. Seus galhos servem de ponto de observação. Servem de palco ao entardecer para batuques, concertos, cortejos, óperas, recitais, sinfonias passarinhais.

Existem árvores que desenvolvem folhas e flores. Além de realizarem as funções da primeira, permitem confecções de brinquedos ecológicos para crianças em desenvolvimento. Inspiram poemas, retratos e canções. Sugerem buquês à mulheres amadas e dádivas perfumantes a quem estimamos.

Servem de guarda-chuva quando nuvens carregadas despejam prantos desolados. De referência para encontros enamorados. De cobertura para rodas de conversas. De assentamentos para oferendas. Servem de abrigos a quem carece de moradia, de refúgio para pensamentos e sentimentos hipnotizados girando em redemoinhos conflitantes.

Existem árvores generosas em folhas, flores e frutos. Além de realizarem as funções da primeira e da segunda, saciam quem tem sede, quem tem fome. Seus galhos acomodam corpos cansados da labuta. Acolhem quem necessita de seres amigos. Ouvem clamores de aflitos e desnorteados. No olho do furacão nem sempre encontramos ouvidos amistosos, não vemos as coisas como realmente são. Essas árvores acendem possibilidades, apontam alternativas, colorem oportunidades. Claro demais, ofusca.

Existe tempestade e bonança. Existe fartura e penúria. Existe princípio, meio, fim, continuidade, linhagem. Existe a primavera e o outono, como o verão e o inverno. Entre tantas belezas e riquezas, existem árvores que dão somente espinhos e frutos letais e nada mais!

Onde persiste recorrente senso de ataque, o instinto defensivo se faz presente. Seja de forma harmoniosa ou imperativa. É correto ceifarmos ou podarmos naturezas em nosso benefício? Quais semelhanças podemos estabelecer entre pássaros de asas cortadas com seres mutilados?

Somos seres humanos detentores e difusores de verdades absolutas. Tendentes a exterminar tudo que não entendemos, não dominamos, não domesticamos. Tendemos destruir meios que desmascarem nossa arrogância e exponham nossas fragilidades. Incineramos tudo que escape e coloque em risco as armaduras das nossas inseguras seguranças falíveis. Para não perder o osso, somos sujeitos passíveis de mascarar situações, nos agarrarmos e acomodarmos infinitamente em muletas, serviçais, reféns.

Assim como beleza e feiúra, defeito e perfeição são unânimes, segundo a concepção e a visão de todas as culturas ou há controvérsias? Acima de classe, credo, etnia, gênero, localidade, posição, somos em diversos casos, parecidos com árvores cheias de galhos retorcidos. Produzimos espinhos e frutos amargos, venenosos, por alguns cultivamos apegos ferrenhos e apreços ferozes. Digladiamos arbitrariamente, com quem preciso for pela sua preservação, por significarem raízes das nossas identidades. Incomodados que mudem! Bradamos escudados em argumentos e direitos regedores.

E se fosse eu, você, nós - os rotulados e tratados iguais a invasores - e estivessemos na fila dos residentes indesejáveis, sujeitos a despejo, sem direito a recursos? A começar por onde proliferam controversos processos de expansão e questionáveis projetos de gentrificação. Ato comum em regiões, sejam de cárceres, sejam de favelas, sejam periféricas, sejam urbanas e outras classificações econômicas, geográficas, políticas, sociais pelos ditos nobres.

Benefícios prometidos em discursos adoçados nem sempre - acolhem, atendem, respeitam – de forma equitativa toda a comunidade envolvida. Quem por livre escolha não tem lugar para onde ir raras vezes é considerado. Interesses cinzentos, divisores, higienistas, manipuladores, até rubros, onde a força impera, acobertam a maioria desses propósitos. Devemos manter ou derrubar? Como e de que maneira podemos transplantar, replantar e cuidar dessas árvores em local apropriado? Eis a desafiadora questão.

Exercitemos hipóteses tangíveis. Realidades impossíveis desenham viabilidades possíveis. A finitude por si esboça soluções. Apenas deuses, gênios, imortais nascem prontos, além do tempo, com manuais de instruções e portos de chegada atemporais. Lugares em construção sugerem pessoas em construção.

Soaria mais sensato deixarmos essas árvores viverem nos pomares da meditação para aprendizados, espelhamentos e observações das nossas ações? Afinal, elas também são seres vivos como nós. Fertilizam avivamentos, pulsam sentimentos, colaboram no enraizamento dos troncos do saber. A seu modo contribuem na elevação constante da nossa humanidade e reciclável sabedoria...

Oubi Inaê Kibuko

Publicado originalmente na série Cadernos Negros, volume 11, poemas afro-brasileiros. Edição dos Autores, São Paulo, 1988. Texto revisitado e ampliado em julho 2021.

#nóspornósmesmos,

#somosmalungosinterdependentes,

#vidas e vozes negras importam