Da letra pra linha

27/08/2021

Hoje escrever é menos importante que desenhar. Tenho ficado melhor na realidade de desenhar. Onde as coisas são coisas. As linhas são uma realidade mais direta do que explicar as linhas. Por isso abandonei escrever. Escrever dói. Escrever é olhar pro significado do que é, e não para o que é. E eu tenho medo de não saber ver. O quanto é para todos essa porcentagem de medo eu sempre estimo que seja menos medo do que eu tenho. Meu medo sempre é maior. Meu medo sempre é maior que o dos outros e maior que eu que sou menor que os outros. Que sou menor que a pessoa que eu acho menor e sou menor que a largura do meu peito. Meu peito é oco. Meu peito é um coco seco. E meu coco que é minha cabeça é um vazamento sem fim de tanto que eu enfio pela orelha, pela boca e pelo nariz. Pelo olho, olho adentro, passa, mas eu não sei quanto não passa. O quanto é translúcido meu olho? Meu medo é não saber e não só não saber de saber, mas não saber reverter, caso eu souber. Tenho pesadelos em que descubro meu olho opaco e na frente dele todos os segredos que não sei. E tudo que sei é um branco chapado, cáustico, prensado, quase 2d. Isso, se for isso mesmo, se não tiver jeito, eu sei que pelo menos cabe no papel. Pro desenho basta. Basta, porque posso ver de novo, quando sai da tela do meu olho pra tela do papel. E ver de novo. E de novo. E de novo. Até que a repetição seja a única realidade possível, a rotina, porque foi o que me ensinaram. Rotina não é só essencial, rotina é a única essência. Rotina é passar todos os meus anos redesenhando o desenho da realidade que eu sei que não é real, mas que é o que eu vejo. Rotina é o que me salva das palavras das mãos paras quais meus dedos tentando segurar jamais encontrariam conforto. A não-rotina é uma mão que dá carinho e tapa num único movimento, dizem. Dizem que isso não existe, mas sabem explicar o que não existe, assim como eu sei explicar as coisas que compõe o vazio do meu peito. É medo. Medo. Sempre medo.

Pavor.