Sobre o ser e o não ser

Duas e meia da madrugada. Acendi outro cigarro antes de dormir. Prometi pela décima vez que esse seria o último. É, Cassol, a madruga também me ensinou que fumaça não enche barriga.

Barriga vazia e a cabeça cheia de angústias que tenho mantido de estimação, porque ultimamente elas são os únicos resquícios do que ainda sinto ser verdadeiro aqui dentro de mim.

E hoje, assim como quase todos os dias que antecederam os últimos meses, eu pensei sobre o que venho sendo, e pra quem venho sendo o que sou. Perdida nos meus personagens. Perdida com meus personagens nesse círculo no qual todo mundo parece doente, no qual vários me pedem a cura e mal sabem que eu não dou conta nem de estancar minhas feridas.

E me fazer de forte já virou uma parte do meu roteiro, porque esse é o papel principal que me entregaram e eu aprendi a interpretar como ninguém. E pensando bem no que aprendi, percebi que agora sei como lidar com tudo que inflama dentro do outro mesmo que aqui dentro tudo queime. É que ontem eu senti tudo queimar como já não sentia há tempos. É que parece que hoje tudo que restava aqui dentro virou cinza e eu me senti tão vazia. E a verdade é que eu não me sinto mais, e já faz tanto tempo.

Eu já nem sei qual desses meus personagens é o protagonista da minha história, ou se de tanto interpretar esses papéis acabei me perdendo no roteiro e virando figurante dessas tantas outras vidas que não a minha.

Tão entregue aos outros e ao mesmo tempo tão egoísta. Fico pensando como isso é possível, um ego dividido em mil facetas. Me vejo errando e penso se todo o egoísmo que surge vez ou outra é uma compensação pra todas as vezes que me entrego ao outro antes de me entregar a mim, ou se tudo isso é sinal de uma sociopatia escondida no lugar mais fundo e escuro do meu inconsciente. Não. Acho que sociopatia não. Ou talvez sim? Talvez eu precise de uma terapia. Talvez eu só precise parar de pensar tanto no outro. Já nem sei de mais nada, e é por isso que quando eu digo que sou a porra de um paradoxo ambulante é porque isso faz total sentido.

E é tudo isso que eu carrego na mochila, toda essa confusão, além de carregar todos aqueles fardos alheios que ninguém gostaria de carregar. É porque penso que talvez eu tenha nascido pra isso, não sei, só sinto como se fosse. É porque se eu não carregar ninguém mais carrega. É porque todos esses personagens que encontro perdidos nos rumos de suas próprias histórias mal conseguem caminhar sozinhos, quem dirá carregar suas bagagens. E o meu problema talvez seja enxergar o potencial de um final feliz em todas essas histórias, e sempre me doar ao máximo ao tentar ajudar todos eles a encontrar esse caminho.

Mas acontece que, além de todo o romantismo de tudo que foi dito até aqui, as vezes eu só queria ser fraca. Eu só queria deitar no aconchego de um abraço apertado e chorar em silêncio. Chorar todas as dores que eu carrego e que não são minhas. Ao menos uma vez me permitir chorar pra alguém todas as minhas dores e os meus erros, esquecer que eu preciso ser porto seguro mesmo quando há tempestades no meu cais.

As vezes eu só queria me despir de todas essas mil faces, queria me desfazer de todas essas máscaras e voltar a ser quem eu sou.

Mas afinal, quem eu sou? Se sou um o que pra cada quem. Se constantemente sou aquilo que crio de mim pra alguém que espera por isso. Se todo o eu que eu crio me escapa pelos dedos e só surge quando convém ao outro. Se só sou boa em teoria e na prática vivo a vida de um mártir. Se o que sobra de mim para mim são sempre as angústias desses erros que eu insisto em cometer e a solidão de uma vida cheia de coisas vazias.

Hoje, depois que tudo já havia queimado, eu procurei me encontrar nas cinzas e ressurgir, tal qual uma fênix. Hoje eu só busquei ser eu de novo, ou um eu novo, tanto faz. Hoje eu só queria ser algo além do que montei pro mundo e não pra mim.

Angelica Stefaniak
Enviado por Angelica Stefaniak em 20/09/2021
Reeditado em 22/01/2024
Código do texto: T7346148
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