As desculpas esfarrapadas de quem faz bullying

Há muito tempo nós já admitimos que bullying não é uma brincadeira boba de criança nem coisa normal de escola e entendemos que não há nada que justifique uma violência tão grande que desrespeita os direitos de um ser humano. Ninguém precisa nem merece ser xingado, perseguido ou até espancado pelos colegas de turma. Espera-se que a escola seja um lugar onde se faça amigos mas, devido ao bullying, para muitas crianças e adolescentes, a escola termina sendo palco das piores humilhações que um ser humano pode experimentar.

Para muitas vítimas de bullying, além das perseguições e agressões, ainda há as desculpas esfarrapadas que quem pratica esse ato covarde dá para justificar tamanha covardia, como se houvesse razão para se maltratar injustamente alguém que começou a ser perseguido sem nenhum motivo aparente. Não é raro que os agressores culpem os agredidos e eu posso dizer isso porque, numa escola que estudei, um menino que fazia bullying comigo, filho de um médico conhecido aqui na minha cidade, dizia que a culpa era minha, que era eu que o provocava. Ele chegava a dizer mentiras à professora. Eu tentei me defender e disse: Pare você de mexer comigo que eu paro.

Podemos ver muito bem que os que praticam bullying são tão covardes e cheios de razão que detestam quando a vítima tenta se defender. Foi o que eu vi quando uma menina, que adorava me chamar de peniqueira, ficou com raiva quando a xinguei de anta. Quem adora maltratar os outros odeia quando há uma reação.

Muitos dos motivos para se perseguir as pobres vítimas são extremamente bestas. Mexe-se com alguém por ser quieto ou ter as melhores notas, ser mais alto ou baixo e por aí vai. E se diz muito que se mexe com aquela pessoa por ela ser “diferente”. E a tal pessoa não está fazendo nada para ser diferente. Está apenas sendo ela mesma e quer ser deixada em paz, sem ser maltratada.

Por muito tempo, eu detestei o fato de ser maior que as crianças da minha faixa etária, pois elas não queriam que eu brincasse no carrossel alegando que eu era muito pesada ou achavam que eu era “atrasada” ou repetente. Também riam do meu cabelo cacheado e volumoso, inventavam que eu era louca e falava com as paredes. Para mim, pior do que ser perseguida era o fato dos adultos pouco ou nada fazerem. Quase sempre, eu só ouvia que eu que tinha que me defender.

As desculpas dadas pelos valentões mostram que eles apenas querem ter um motivo para mexer com alguém e não devemos aceitar nenhuma desculpa, pois o bullying é indesculpável. Penso nisso principalmente quando lembro das vezes em que desabafei com algumas pessoas que me disseram: “Ah, mulher, é que é assim mesmo, quando uma pessoa é mais séria, os outros mexem com ela.” Se uma pessoa é mais séria e gosta de ficar no canto dela, deixemos essa pessoa em paz. Ninguém tem o direito de perturbar alguém, seja por ser mais quieto, agir de um jeito diferente do considerado socialmente aceitável, etc.

Mexer com outra pessoa sem que ela tenha provocado e ainda tentar justificar tal ato mostra, no mínimo, que a pessoa não tem noção de respeito pelos direitos alheios. Vivemos em um mundo diversificado, em que temos que respeitar todas as pessoas. Não dá mais para aceitar que certas coisas ocorram sem que nada se faça e o bullying é uma delas.

E tentar justificar o bullying dizendo coisas do tipo: “Ah, ele tem uma cara de idiota, por isso todo mundo mexe com ele.” Não passa de covardia. É tentar culpar a vítima. Há mesmo valentões que admitem que não há motivo, que fazem bullying simplesmente porque acham divertido. E o fato de muitas vezes os funcionários da escola e outros alunos – por medo ou indiferença – nada fazerem só piora a situação. Para a vítima, é horrível sentir que ninguém se importa com o fato dela estar sendo maltratada e que quem assiste até se diverte com a situação. Digo isto porque eu mesma o vivi.

Todo ser humano tem direito a ser respeitado, mas muitos são os que parecem não entender isto e separam as pessoas em categorias, como se houvesse pessoas superiores e inferiores, quando não há ninguém melhor ou pior. Todos têm os mesmos direitos e deveres. Mexer com uma pessoa por ela ser negra, gorda, baixa, ter um jeito engraçado ou por qualquer outro motivo não será nunca uma desculpa aceitável.

Muitas são as obras de ficção que mostram como os valentões usam de todo tipo de desculpa para sua covardia. Em Carrie, de Stephen King, no qual uma jovem é perseguida pelos colegas, os mesmos dizem que ela é esquisita e tem uma “cara de sapo desgraçado”. No Japão, onde o bullying é comum nas escolas, não são poucos os mangás ambientados em ambiente escolar que mostram a triste realidade do bullying. No mangá Peach Girl *, uma menina é hostilizada só por ter uma pele mais bronzeada e, em Pumpkin Night**, mangá de terror, uns colegas fazem bullying com uma menina só por ela ter um jeito diferente, cometendo atos de extrema brutalidade. Quando a história já está adiantada, um dos rapazes admite que não havia motivo. Faziam-no apenas porque era divertido. Nos mangás Limit e Vitamin, de Keiko Suenobu, os motivos dados pelos agressores também são fúteis. No primeiro, Morishige sofre bullying por ser “esquisita” e no segundo, Sawako passa a ser perseguida após ser vista transando com o namorado.

O bullying nunca deve ser justificado. Caso uma pessoa resolva mexer com outra, o problema está na pessoa que resolve perseguir, nunca no perseguido. Pode ser que o perseguidor apanhe dos pais em casa ou seja criado sem limites ou tenha pais preconceituosos que achem que alguém tenha menos valor por ser pobre ou negro, por exemplo. Como a escola é um microcosmo, ela reflete muitos dos problemas da sociedade. Vivemos em uma sociedade preconceituosa, em que muitas pessoas, estupidamente, pensam que o valor de um ser humano deve ser medido pela cor, aparência, modo de vestir, status social, crença religiosa e poder aquisitivo. E o fato de haver bullying nas escolas mostra muito bem o quanto estamos longe de viver numa sociedade igualitária onde todos se respeitam.

Além de se combater o bullying, devemos entender que não há justificativa para ele e que nenhuma desculpa dada pelos agressores deve ser aceita. O bullying causa muitas sequelas que podem ficar para a vida inteira. Uma criança precisa se sentir aceita e, para ela, é muito doloroso ser o saco de pancadas, alguém para quem os outros só têm atitudes de desprezo e agressão. Nenhuma pessoa deveria passar pela experiência do bullying, que leva a sentimentos de inadequação, baixa autoestima, depressão e até mesmo pensamentos suicidas.

Cabe às escolas tratar de tomar medidas adequadas de combate ao bullying. Qualquer atitude de desrespeito e agressão precisa ser reprimida. Para que uma sociedade evolua, não podemos ser coniventes com comportamentos errados.

• Peach Girl (Garota Péssego) é um mangá shoujo (para moças). A protagonista, que é bronzeada por ter praticado natação, sofre preconceito porque muitos acham que ela se prostitui para gastar com acessórios caros e fazer bronzeamento artificial. No Japão, sociedade conservadora, garotas bronzeadas não são bem-vistas porque se entende que elas se prostituem para fazer bronzeamento artificial e para comprar os acessórios da moda, que são caros nesse país.

• Pumpkin Night é um mangá de terror pesado, no qual uma garota se vinga dos colegas que praticaram bullying contra ela no passado. É um mangá caracterizado pela violência explícita e não é recomendado para pessoas mais sensíveis.