Precisamos aprender a filtrar

Certa vez, uma pessoa me criticou porque eu disse que não acredito em possessão demoníaca. Ela até perguntou :

-Mas você não vê filmes com histórias de exorcismo?

A minha resposta foi a seguinte:

-Se eu fosse acreditar nesses filmes de tubarões assassinos, eu pensaria que todos os tubarões são máquinas assassinas com um apetite insaciável por carne humana.

A pessoa não me deixou mais falar e continuou dizendo que todo filme tem um fundo de verdade mas, se eu tivesse tido a oportunidade, eu teria dito que também não podemos acreditar nos antigos filmes de faroeste, que mostravam todos os índios como vilões e os brancos como mocinhos. Hoje, qualquer um que leia livros sérios de História sabe muito bem que a colonização do Velho Oeste não foi exatamente como esses filmes mostravam.

Muitas vezes, as pessoas não separam ficção e realidade e o resultado pode ser catastrófico. Muitas pessoas que assistiram ao clássico filme O exorcista, com Linda Blair, achavam que estavam possuídas e a própria atriz que interpretou a menina possuída era evitada por outras pessoas, que acreditavam que ela estava endemoninhada. E muitos que assistiram a Tubarão de Steven Spielberg queriam aprender como matar tubarões, o que levou Peter Benchley, autor do romance que inspirou a filme, a fazer campanhas de esclarecimento para explicar que os tubarões não eram máquinas assassinas comedoras de seres humanos.

Ainda podemos acrescentar os filmes bíblicos antigos de Hollywood, como Sansão, Os dez mandamentos e Quo Vadis. Nos filmes que contam histórias do Antigo Testamento, enquanto todos os hebreus são bondosos, os povos de outras nações – como os filisteus- são vilões por adorarem a falsos deuses. Já os filmes hollywoodianos que contam histórias do princípio do cristianismo botam os cristãos como invariavelmente bondosos e ponderados e os pagãos como devassos, corruptos e intolerantes. Um exemplo é o já mencionado Quo Vadis, com Deborah Kerr e Robert Taylor, ambientado no Império Romano, que retrata a corte do imperador Nero como libertina e sanguinária.

A ficção pode realmente influenciar o comportamento das pessoas, principalmente de quem não é bem informado acerca de certos assuntos. Um bom exemplo de como isso pode acontecer é o da novela O clone, de Glória Perez, que aborda os temas da clonagem humana e da religião muçulmana. A novela – que não tinha interesse em verossimilhança – colocou muitas cenas das personagens principais dançando dança do ventre e de meninas dizendo que esperavam conseguir maridos ricos que as enchessem de ouro e, devido a isso, não foram poucas as moças brasileiras que se interessaram em se tornar muçulmanas, acreditando que aprenderiam a dança do ventre e encontrariam maridos que as encheriam de ouro. Mas uma mulher, ex-muçulmana, teve a coragem de dizer a verdade: que a dança do ventre é dançada no Egito pelas prostitutas (a trama muçulmana da novela se passa no Marrocos) e que os maridos dão ouro às mulheres para que, no caso de se divorciarem, elas tenham como viver, já que o divórcio é admitido no Islã.

É necessário que entendamos que ficção é ficção. Muita gente já me perguntou se eu não tinha medo dos filmes de terror a que assisti e eu respondi que não, pois sei que aquilo é ficção. Porém, não são poucos os que não conseguem separar ficção da realidade e podemos ver isso quando certos atores reclamam que chegam a apanhar na rua por causa de personagens que interpretam. Um bom exemplo é o da atriz Regiane Alves, que interpretou Dóris, uma moça mimada que maltratava os avós.

Como vemos, a ficção pode influenciar muito as pessoas mais impressionáveis. É preciso que haja bastante informação e que as pessoas compreendam que o que estão assistindo não é algo que deve ser levado tão a sério.