Um olhar de Clarice

Um dia Clarice disse que quando ela não estava escrevendo ela estava morta, e seu olhar incisivo me fez entender tudo, sobre mim.

Me sinto morta ou parte de algo que não existe, que não faz parte ou que está em tantas partes separadas e desconexas que não é possível definir, enxergar. Eu estou morta, e hoje não sei a quanto tempo ou se um dia estive viva de fato.

Acho que o meu deslumbre pelo o espaço sideral, as nuvens de gases e rochas e as explosões espontâneas sempre foi mesmo porque é assim que sinto o meu interior, meus pedaços dentro e de fora são um aglomerado de gases e rochas gravitando sem nenhum motivo aparente.

Não faz sentido, o porquê escrevo agora e não depois e o porquê escrever parece a única coisa a bastar.

Escrevo agora porque se eu deixar de escrever vou estar morta e não escrevo depois porque quero estar morta, no mundo. E escrever agora basta, já que a minutos posteriores não irá mais bastar.

Não sou isso, escritora. Sou partes de algo que gostaria de na sua realidade, escrever livremente. Mas até escrever me desmonta e me fragmenta violentamente, meu corpo treme e parece que estou eclodindo. Não sou escritora, mas agora a única coisa que consigo fazer é não ser uma escritora mas deixar que a escrita me liberte. Entende, a relação é de lá para cá, e por isso tão difícil de ser controlada.

Pra quem não é escritora, querer que a escrita lhe liberte é burrice completa e desviada. Se só a escrita irá me libertar, então quando chegará o dia que eu não vou estar mais liberta já que a escrita, dona do meu interior detém a minha liberdade.

Não sou escritora e acredito que deva ser assim, pois o dia que me tornar então finalmente vou enxergar e aceitar o vazio existente entre meus pedaços. E isso, não pode acontecer agora. Porque todos são inteiros e a vida de não-escritora exige inteirança. Todos são inteiros vivendo suas vidas em pedaços tão pequenos que à distância parece nem importar. E isso me faz ser o que sou, não escritora e não empática.

Não importa tanta coisa ao meu redor que muitas vezes esse ou aquele pedaço de mim mesma se perdem entre essas coisas que pareciam ser do outro. E sendo do outro, eu renuncio sem contestação. E nessa renuncia explode um outro pedaço se transformando em vários pedaços, agora parte do outro mas ainda girando na minha órbita.

Tenho medo das explosões mas me deslumbro com elas, pois é o único momento que o outro consegue me fazer agitar-se nessa realidade. E fazer que meus pedaços se organizem por ao menos minutos sagrados.