I-V Jaezes de vida e morte

Entre estas quatro paredes, a presença da enfermidade, estes asseados lençóis frequentemente trocados, as respirações alheias que tanto incomodam-me, aquele vão sem porta que, de dia, nos dá vista do mosaico. Por lá, sem avisos, entram fogos em vidros, carregados por senhoras e senhoritas que me confundem por serem iguais.

Pergunto-me como é sê-las, como seria não morrer, lembrar de nós, perder o sono por nós, perder a noite pelo pouco que somos. O que passaríamos a ser com seus atos se não as mesmas pestes que nos trariam de volta ao coma? Ainda assim, recebo esperança de onde, aparentemente, elas estão. Esperança forçada, esperança que nunca tive, esperança que, sem questionar, engulo, pois peito algum tenho para seus corações rasgar ao ver-me finar. Ser recebido, durante a noite, por algo que não se mostra muito além de luz, e age como o mais iluminado dos anjos, é o que faz o fogo perder seu lugar.

Amigo meu, como pode contentar-se de satisfação por mulheres que, apesar de dedicarem a noite a ti, não são suas? Esquece-se da racionalidade, pois teu sonho está na posse dos homens que as têm, que podem espera-las, sem medo algum por agora estarem aqui, diante de ti.

Até poderia eu fazer deste um momento de minha história, tornar isto um teatro que me instiga memórias, contudo, sua companhia me incomoda. Oficializo o fogo como patrono desta vida e tende a repudiar-me, maldito moribundo. Se por algum amor alcançasse a irracionalidade, se poesias de ti transbordassem, se com tortuosos gestos alguma alma cativasse, se alguém por ti enfim se apaixonasse, não estaria tu nem um pouco perto de quem se apaixona. Lembre-se desta vida que o condena e ponha-se em tua cova.

Presença inestética que moteja minha história, e faz deste meu mundo o pior que se paga para ver. Quem dera poder eu levantar-me e sair por onde entrei. Nada mais coerente que minha ira diante do dinheiro com porcaria gasto, por um mentecapto que subiu ao palco. Penso que, no fim, apenas não quero ser eu estes quem saem. Nem sequer sei o que mereço para saber se mereço. As rédeas de meu destino foram tomadas, e punem-me sem que eu saiba por quais atos. Maldade esta que existe entre nós, vivos. Como encontrar misericórdia se não assim? Não espero cuidados quando morto, pois a essas mulheres desejo vida. Invejo os que aqui entregam-se a morte sem que um dia vão.

Murilo Porfírio
Enviado por Murilo Porfírio em 21/11/2021
Código do texto: T7390914
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