Qual a minha cor?

Na minha vida foram poucas as vezes que percebi ter sofrido racismo, sempre fui muito mais julgada por ser mulher. Talvez não tenha percebido muitas vezes por não estar envolvida, por não conhecer as várias facetas do racismo ou mesmo porque eu não sofri tanto, por ter a pele mais clara. Mas sofrer mais ou menos, ainda é sofrer.

Passei a estudar mais sobre questões raciais quando ingressei na Letras, estudando Literatura Brasileira pude conhecer melhor a história do Brasil, a história do racismo. Quando ingressei na Psicologia com as cotas raciais, me considerando negra de pele clara, usei a cota de parda, com medo, já que muitas pessoas dizem “não, mas tu não é negra!” (inconscientemente ou conscientemente considerado o ser negra como algo ruim).

Por muito tempo deixei que as pessoas julgassem qual era minha própria identidade, mas quando passei pelo processo de aferição das cotas raciais, na qual uma banca avaliava o quanto eu era ou não parda e eu não passei, percebi que essa era a gota.

A banca julgadora foi pedida por alunos negros da universidade, já que muitos alunos brancos estavam entrando com essa cota, mas a universidade aproveitou esse oportunidade para filtrar ainda mais quais alunos negros, pardos e indígenas deveriam entrar. Existem muitos outros relatos de pessoas que tendo todos os traços, cor, sendo negro/negra desde que se conhece por gente, vivendo na pele o preconceito, não conseguiram passar por essa banca. Eu entrei com um processo e passei.

Depois de passar por esse processo, passei a olhar mais para como essa exclusão, opressão e racismo estão estruturados na sociedade e esse caminho é um caminho sem volta. Passei a lembrar da minha infância, o cabelo que eu tinha X o cabelo liso que às vezes ainda penso em ter; o quanto já acabei alisando meu cabelo e agora ele não é mais como antes; os desenhos e filmes que assistia e as pessoas que queria ser, mas não me identificava fisicamente. Percebi que essa questão de raça sempre me perpassou.

Com a nossa grande miscigenação brasileira (que foi construída de forma nada amistosa ou romântica) fica difícil saber o que somos, qual a nossa cor, às vezes esse processo de identificação leva muito tempo, mas uma vez que sabemos quem somos, é difícil aceitar que nos digam o contrário. É difícil também ver as opressões diárias que as pessoas ainda sofrem e muitos não conseguem ou não querem reconhecer, um racismo que pra quem vive, pra quem vê, ele não é mais silencioso, não é mais “sútil”, ele estava ali ontem naquele paredão em que um homem negro, muito querido e verdadeiro ficou com o segundo lugar na quantidade de votos, enquanto seu outro oponente, homem branco padrão (que traiu milhões de vezes suas parceiras, tendo citações de que foi abusivo) ficou com um número mínimo de votos.

Ele está em todos os BBB’s seja pela falta de pessoas de outras etnias ou seja por essas pessoas estarem ali e sofrerem essas opressões, mulheres negras sendo preteridas (e aqui não adianta dizer que é questão de gosto, o gosto nesse caso é uma construção social), está no menino que foi injustamente acusado de um crime, quando estava comprando pão, está no jovem que depois de ter provado sua inocência, mostrando que não roubou sua própria bicicleta, demorou um tempão para ser liberado da justiça. Está na quantidade de mortes por “bala perdida”, no suicídio de jovens negros. O RACISMO está em tudo!

Quando descobri a minha cor, descobri um mundo inteiro que estava sofrendo.