Breve tratado crítico a respeito da filosofia moderna _ 1

(...) "Como a ontologia fundamental, da qual tinha se separado por meio de um engajamento político, o existencialismo permaneceu preso ao idealismo; ante a estrutura filosófica, esse engajamento manteve de resto algo contingente, substituível por uma política contrária, por menos que esta satisfaça a characteristica formalis ai do existencialismo. Guerrilheiros há de um lado como de outro. Não é traçado nenhum limite teórico em relação ao decisionismo. Não obstante, o componente idealista do existencialismo é por sua vez função da política." (...) Eis um trecho retirado do livro a dialética negativa de Theodor W. Adorno, que aqui desde já podemos observar que se trata de um livro que se propõe a fazer uma crítica interna da filosofia, sobretudo, moderna. Ele prossegue esclarecendo que apesar do extremo nominalismo de Sartre sua filosofia recai em uma asserção de uma liberdade ininterrupta e ilimitada do sujeito que é tão ilusória quanto a do eu absoluto que engendra o mundo a partir de si, haja vista, que o conceito de espontaneidade herdado de Kierkegaard é assumido por Sartre com outra denotação, isto é, como absoluto. No conceito fenomenológico de fenômeno há um imbricamento entre desvelamento e velamento, ora, isso nada mais é que afirmar que o ser é o enquanto e enquanto esse produto do discurso, ou seja, o logos na concepção de Heidegger, destarte, o logos em consonância com a aletheia, porém, aquilo que se mostra por trás do ente, ou o próprio ser mascarado de ente, haja vista, as suas multifacetadas formas no tempo, não é transformado em si pelo tempo, aqui como entidade a parte do discurso, pois é o que seria, mas o é "transformada" pelo discurso como ação incisiva em sua conceituação, como o bater de um martelo por um juiz, naquele instante; ora, sendo a linguagem a função mediadora e o tempo como uma entidade outrora abstrata que se faz real pela produção da verdade, ela é determinante, não só como demarcadora de um período no qual corresponde determinada (s) interpretação (s), mas como um grande guia vetorial que aponta sempre à mudança e permeia todo discurso. Discurso do qual se faz sempre diferente pelo tempo que acumula mudanças, em termos, a priori, quantitativos, que jaz qualitativo pela interpretação sintética dos tais acúmulos, logo, o discurso em si já possui como base do seu espaço o tempo, portanto, a ratio como aqui é entendida, nada mais é que uma constante, uma ferramenta na produção da verdade. Entretanto, a tal adoção não só se fez de forma abscôndita, pois jaz uma afirmação filosófica, isto é, a razão desprovida de qualquer natureza transcendente, como se torna obnulibada o seu entendimento sobre o tempo, por outra forma, seria o tempo uma entidade a parte, ou produto do discurso? Se o for a parte não é a adaequatio ratio/rerum et intellectum o que determina a verdade, mas sim o tempo e assim se constituiria um contradictio in adjecto, ou seja, um absurdum e como Stein acentua, "reduzir uma filosofia ao absurdo é o equivalente a provar que está errada", e se for produto do discurso, o discurso já estaria envolto do tempo e isto é um petitio principii, em outros termos, uma falácia. Se alegas que está em bicondicionalidade, deves pois de antemão provar a dupla condicionalidade. O determinatus tem aqui, em termos, equivalência com o vocábulo conformidade, pois em fins práticos é isto que esta a se fazer, determinar uma verdade através de uma suposta conformidade com os fatos, conformidade esta fruto do tempo e por efeito pede para não ser tão acedida, porém, isto sempre se aplica ao futuro, nunca ao passado, eis a falácia, pois o tempo pensado aqui já se faz desnudo e assume sua parecença com a história para Hegel e mais uma vez, sem nada demonstrar e declarar. "Chamamos existência ao próprio ser com o qual o Dasein pode se comportar dessa ou daquela maneira e com o qual ele sempre se comporta de alguma maneira", a existência é a constituição ontológica do ente que somos nós, pois em essência ele é ekstático. De outra forma, ele vigora estando sempre fora de si e junto do ente, por essa razão, esse ente que somos somente ele existe: "O ente que é ao modo da existência é o homem. Somente o homem existe. O rochedo é, mas não existe. A árvore é, mas não existe. O cavalo é, mas não existe. O anjo é, mas não existe. Deus é, mas não existe". Dizer que só o homem existe não significa que todos os outros entes não sejam de fato efetivos, ou que não são reais, isto significa que Heidegger adotou uma abordagem mais formal _ vide o problema da implicação do formal (sentença lógica, conclusão de um silogismo) no real (referente) desde Boécio, verdade lógica ≠ verdade real _, daí uma das críticas de Adorno a sua filosofia, que não adentraremos agora.

A pretensão de deduzir o não-idêntico a partir da identidade foi levada ao extremo por Hegel. Mesmo Hegel tendo feito a crítica ao juízo analítico (até a tese de sua "falsidade") tudo nele o é. Por isso, ao pensar sobre a história Hegel o faz por meio da revisão crítica, sendo sua filosofia de caráter abrangente, a julgar por, que é um sistema, com enfoque na história porquanto faz meta-história, em outras palavras, historicismo. Assumindo "conceitos historicamente superados" observamos que eles sempre foram criticados de modo veemente como, ou não, hipóstases dogmáticas; isso acontece em Kant com a transcendência da alma empírica. A nova ontologia não faz uso desta crítica Kantiana por a enxergar como um elemento pertencente a consciência racionalista cujo conjunto não pertence e não está em interseção com os conjuntos do pensamento genuíno. O pensar sem conceito não é um pensar vazio, em outras palavras, um pensar que não conclui o seu pensar em um conceito não é um pensar inútil, não só porque está a fazer filosofia, mesmo que negativa, mas também porque a pretensão de uma positiva é devedora em sua voracidade pendante e exigente ao positivismo, que situa-se como um escopo historicista chulo e lúdrico. A repetição infinda do "ser em ente" que não se faz ver em si, o ôntico que deveria ser algo fático, ôntico, tira, propositadamente, a contingência da cartada, estas são, pois, algumas das críticas que Adorno tece a Heidegger; a mediação até o ser sempre foi tida como importante, do contrário raras vezes, não o contrário como alega Adorno, eis um dos exemplos da falsidade de tais autores e que revela o real desejo (aqui no sentido psicanalítico), veja um trecho retirado do último parágrafo, (...) "Se os recursos e os artifícios astutos da filosofia projetam o ente sobre o ser, então o ente é assim justificado de maneira feliz" (...), ele prossegue com críticas subentendidas e zombateiras de cunho político com nítida influência do materialismo dialético (assim o prossegue em todo o livro, com redução da filosofia Kantiana à classe econômica que ele pertencia), então, observe novamente os vocábulos artifícios e astutos.

Não é apenas porque o absoluto pode ser pensado no ser que ele o é, é também por não poder ser pensado em sua completude, tendo como certeza nossa finitude; não é apenas porque "aparentemente" supere toda e qualquer tentativa de compreensão que faz da razão humana um mal em si, mas o mal está em assumirmos o impossível e utópico racionalizar perfeito, o maior dos absurdos. Assumir nossa finitude é por essência assumir o infinito e isto não se faz por meio de juízos, muito menos por mera síntese de conceitos, mas por meio da razão vital que emerge do interior como a certeza do não dito, a não necessidade da linguagem, aquilo que não está limitado a linguagem, um não necessariamente, por justamente admitirmos a linguagem e a razão; aquilo que da razão escapa por justamente a utilizar-mos, aquilo que a linguagem aponta, mas não diz e se o diz não é. A razão que não pode ser pensada não difama-se, pois o fato de não ser possível um pensar concludente e infalível nos joga a cara nossa imagem evidente, nossa insuficiência ontológica, nossa razão insuficiente que nos lança de forma irrevogável à uma possibilidade de uma razão supra-suficiente. Essa ideia na mente não pode de forma alguma ser tomada como uma certeza, sequer evidência de tal existência ontológica, como o argumento falacioso de S.Anselmo, assim como a não possibilidade de redução sem restos a um objeto, ou sujeito, que é o argumento adotado por Hegel para a transcendência do ser em dependência com eles (os entes), em síntese, o ser não é deduzido, pois nem ao menos temos todas as variáveis, ou o suficiente para uma irrefutabilidade em nossa sentença, ele não é induzido apoditicamente, pois nem ao menos a somatória das partes nos levaria ao todo, ele é, pois, inferido de forma abdutiva, dado a falácia indutiva, de outro modo, indicado pela razão vital mediante a probabilidade.

Kant repete o erro pelo qual acusava seus predecessores racionalistas, ou seja, comete uma anfibolia no curso tomado pelo sujeito cognoscente junto ao juízo; ele fez a reflexão passar pela fundamentação objetiva do juízo, com isso a crítica da razão pura tornou-se verossímil a teoria da ciência. Isso foi feito para posteriormente instalar uma metafísica, que é uma aporia. Adorno afirma que, "O materialismo não se confunde com o dogma pelo qual o acusam seus astutos adversários; mostra-se muito mais como a dissolução daquilo que ele por sua vez trouxe à tona como dogmático; daí advém seu direito na filosofia crítica." Contudo, em vista disso não se prova a veracidade de tal inversão, logo, pode ser inverídica. Em razão dessa inversão o argumento se estabelece apenas como erística. De antemão toda investigação epistemológica deve partir do pressuposto gnesiológico de que é possível se constituir um saber objetivo, do contrário teríamos uma aporia, da mesma forma que devemos admitir uma consciência distinta dos objetos, pois do contrário não seria possível conhecer. Uma teoria que insere um terceiro elemento entre a atividade intelectiva e o objeto de investigação não necessariamente reproduz o idealismo, pois a representação pode não ser entendida como o objeto, ou a representação de suas características em si, ou até mesmo ser tida como a mais importante de tudo isto; a representação pode ser entendida como nada a mais que isso, um mapa à investigação, um guia esquemático no intuito de destacar seus principais atributos _ vide a inconsistência materialista (no sentido clássico do termo, como em Epicuro) advinda da investigação mais minuciosamente possível feita pela física moderna _. O fato de Hegel começar com o ser em vez de algo para evidenciar o primado do sujeito de uma maneira idealista nos elucida o medo de Hegel de partir da não-identidade lógica que o vocábulo "algo" sugere, eis o seu idealismo absoluto.

Reduzir a liberdade do indivíduo à uma investigação metapsicológica, haja vista, que o indivíduo sempre é irredutível à análise, é o mesmo que reduzir o indivíduo aos seus processos psicológicos e isto por sua vez é uma adoção implícita de um pressuposto filosófico, o materialismo travestido de naturalismo, que é uma tentativa metafísica de interligar conceitos que dever-se-iam serem puntiformes _ vide o problema da indução (Hume) _, à uma explicação cosmológico (do todo) que por sua vez se traduz em naturalismo metafísico. E tal redução é equivalente a adoção da lógica como equipolente a metafísica, feita por Kant e Hegel, porém, tudo que não cabe na significação lógica é descartado como não pertencente ao sujeito, daí a aporia em não adotar o conceito de vontade como lógico-transcendental, mas como "dado", onde não cabe nenhuma explicação, pois a objetividade da subjetividade foi retirada em nome da própria objetividade lógico-formal. À vista disso, faço das palavras de Adorno as minhas, "A aparência da objetividade em si da razão prática é instaurada pela sua subjetividade plenificada; não se consegue mais ver como ela, para além do abismo ontológico, deve intervir e alcançar de algum modo o ente. É aí que se encontra a raiz do irracional mesmo na lei moral kantiana," (...), "Como a liberdade desemboca em Kant, mesmo no domínio prático, na invariância de uma razão sempre igual a si mesma, ela perde isso que na linguagem usual distingue razão e vontade. Por força de sua racionalidade total, a vontade se torna irracional." Desse modo, o erro que persiste, idem, está em não aprovar a substância pensante como o axioma em termos de raciocínio abdutivo, pois não só está em correspondência com a navalha de Ockham, como também possui significação suficiente (conceito desenvolvido por mim, presente no "Esboço de epistemologia _ 3") e é a que mais possui coesão externa, tendo em conta, a sua permanência obstinada defronte os nossos olhos. In verbis, é a que mais faz sentido. Consequentemente, deve-se, pois, ser adotado o conceito de vontade mais próximo ao que esquematizei no texto, na categoria de pensamentos, "Uma razão vital" _ adendos, se supormos a vontade como fenômeno da consciência, ou apenas consciência, então, respectivamente, o círculo da vontade que tende cada vez mais ao círculo circunscrito, isto é, o corpo, será interpretado como o circunscrito, ou os dois como um só_.

Eis, todavia, o que seduz os ignorantes e atrai a multidão: as belas

sentenças. Mas os que sabem raciocinar não se deixam convencer

pelo que se diz; eles examinam o que se deve dizer.

Marco Túlio Cícero,

Tusculanarum Disputationum

Ultimando, arrojo deliberar que o clássico é aquilo que diz o que não pode ser sendo ele aquilo que não pode não ser.

Oaj Oluap
Enviado por Oaj Oluap em 13/02/2022
Reeditado em 01/01/2023
Código do texto: T7451540
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.