O amor

I

Porque eu te amei como uma mulher amaria, cuidei de ti tal qual mãe zelosa, te protegi como a leoa protege a cria, e ainda assim fui homem. Só um homem. Ah! O homem não existe? Então tudo faz sentido, pois para ti, nunca existi. Creio que fui a criança que voltou do passado, uma cesta surpresa que chegou à tua porta, um desconhecido que sorri pela janela enquanto tudo se move. Mas não marquei tua vida. Não fui um julgamento para todos os que vieram antes. Tampouco fui a ponte para que tu pudesses atravessar. Fui a sombra que foge quando acendes a luz e olhas pelo espelho. E até de meu rosto é difícil lembrar.

II

Eu nunca quis falar de amor, e um dia o amor falou a mim finalmente. O amor falava como criança. Difícil era compreender o que dizia, e no fim concluí que nada fazia sentido. Percebi então que o amor proferia sentenças: “eu amo, tua amas, ela ama”. Simples assim. Mas começaram a dizer: “por que eu amo?”, “porque ela ama”, “por isso tu deves amar”.

III

Eu queria ver o amor, então ele se mostrou. E o amor era um cata-vento de mil pás e muitas cores. Mas tornava-se branco quando girava em alta velocidade e zunia delicadamente embora produzisse muito vento. Assim é o amor, e, com efeito, é justamente quando somos crianças que sentimos o amor pela primeira vez. Nós crescemos, mas o amor continua sendo um brinquedo de crianças. Permanece o encantamento com as cores, com o som, com o vento e no meio de todo o turbilhão, apenas o branco se sobressai. Este branco é a essência do amor, que tanto hipnotiza, distrai e confunde.

IV

Um demônio me acordou durante a noite e percebi que era minha vontade de te penetrar, te possuir, muitas vezes! E o demônio assim falou: “fazer amor”.

V

Eu pensava: “É meu corpo quem fala. Sou apenas um animal farejando, mas ainda assim falo de amor”. “Onde está meu espírito? Por que ele é tão nulo quanto uma sombra, que apenas me segue mas não me guia?”, “E minha alma? Por que é sempre tão ciumenta sobre meu corpo, mas só pensa no dia em que me deixará?” Então me acalmei quando ouvi meu coração batendo fortemente. Foi o melhor conselho que ouvi: meu coração batendo.

VI

Tu nunca entendeste meu amor. Minha paixão não te pareceu familiar. Não reconheceste os sinais e os milagres. Mas eu te compreendi muito bem e te ultrapassei. Meu amor construtor erigiu um farol para te orientar. Eu ainda te espero. Vou te esperar nos Hiperbóreos. Mas eu sei que o amor definha. Que ele morra tranqüilamente se assim for necessário, mas morra sem mágoas. Assim ele poderá ressuscitar. Mas meu amor não pede sacrifícios. Meu amor não é sofrimento. Por isso não entendes, muito já sofreste por amor.

Alhosal
Enviado por Alhosal em 21/11/2007
Reeditado em 19/07/2008
Código do texto: T746172
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