a quiromante do acaso

As brechas e questões abertas conciliam caminhos sem traços definidos e definitivos. A coincidência, acaso e destino também são maneiras de formular sentidos. Esse jogo entre o conhecido e desejado com o desconhecido e inesperado não têm regras. O sútil está no rangido da madeira do forro. Os sábios dizem que o ruído é o trabalho invisível da madeira ainda viva, apesar de morta. O forro pode desabar sob nossa cabeça ou não. Mistério. Física. Detalhes. Essas minúsculas semicoisas das nossas vidas. Há tantas sutilezas nos pequenos momentos. Às vezes, os outros estão presentes no sábado à noite, num pai que ronca enquanto a filha pula a janela em algum bairro perto de um bailão qualquer. O efêmero é fugaz. Óbvio ululante. Contudo, o nuance do efêmero é sagaz. Exige concentração e imaginação. Como embaralhar um diário e escolher dias aleatórios para se reler o passado. Acabo instigado com a possibilidade de reconhecer a história, mesmo que esquecida na memória. A memória também é fugaz. O contraponto ao cronograma e cronológico deve estar na simbologia da quiromante. A casa encolhe e a família aumenta? O desfecho é acertar ou errar um caminho? A vida cabe em uma ou mais. Ao encerrar um texto sinto a presença de uma mensagem para arrematar uma ideia. Uma síntese do todo. Gosto de frases que tentam sintetizar ideias. Acredito na força da palavra final tanto quanto da palavra inicial. Ainda que a primeira palavra chegue cheia de enigma a palavra final se faz notar por resumir tudo. Ainda que tudo possa ser mentira. Ainda que nem lembre o meu nome e tenho dúvida se isso é angustiante ou um alívio. Dentro de mim não está nada fácil. A solidão com imaginação é um convite para desviar a atenção de incomodações e reclamações. Não adianta sumir. Não há correspondência de aviso. Quer seja trancado em um poço ou dentro de uma geladeira, não há como desaparecer por completo. Não há como fazer respiração boca a boca para dentro de si. O pitoresco pode, em certo ponto, ser engraçado. Como ver uma senhora de joelhos chorando ao lado do marido morto. Embora fora de contexto possa ficar incompreensível o que faça rir e o que faça chorar. Ainda que um barco tenha velas para serem abertas e âncora para serem jogadas, não há ventos para controlar uma vidência. O destino é um aceno de mão. O acaso é um futuro no fundo dos olhos. Até para subir as escadas é preciso de força e equilíbrio. O último degrau é um passo solitário, ainda que todos os outros possam ser partilhados com quem se ama. Ainda que amar não seja algo protocolado. Amar não está dado. Assim como matar espanta a vida e dispersa os convidados.

Severo Garcia
Enviado por Severo Garcia em 29/03/2022
Código do texto: T7483808
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