Ninho

Leve-me para casa, deite-me na cama de madeira maciça com colchão empoeirado. Me deixe ser criança de novo, ainda que mergulhada na penúria. Não me importo de comer arroz e ovos se eu puder brincar na rua mais uma vez. Me deixe voltar a pé para casa, rindo com meus amigos porque a felicidade era nossa única certeza. Quero comer biscoito com leite pela manhã com meus primos na casa dos meus bisavós. Quero catar castanha e varrer o terreiro em plena euforia por saber que virão alguns trocados depois. Quero o equilíbrio para subir na cajazeira e no cajueiro. Me dê de volta as folhas e o chão como brinquedo e os joelhos ralados. Traga-me de volta as paredes sem reboco e o piso de cimento se isso me trouxer as comunhões em volta da fogueira no fundo da roça mais uma vez. Me devolva a Tv com o bombril na ponta da antena se minha família estiver em volta dela. Quero outra vez a cozinha sem telhado para deitarmos no chão e vermos as estrelas. Leve-me para as quedas de bicicleta, os bichos nos pés, o choro sincero de criança se isso me retornar a esperança. Leve-me de volta para quando eu via a fortuna mesmo na tribulação. Leve-me para casa.