Até você tem alguém?

"Até você tem alguém?"

Uma pergunta que ouvi após uma brincadeira com a fidelidade dos discentes da universidade onde estudo.

Minha colega, é óbvio, notou que eu não usava aliança no dedo, portanto, deduziu que eu não estava comprometido.

Não levei como ofensa, apenas repliquei com uma das várias piadas autodepreciativas do meu arsenal:

"Pois é, apesar de feio, tenho namorada. Os feios também amam!". Pensando bem, vejo essa resposta mais como uma constatação de fatos.

Ela respondeu com um tímido e sarcástico "que dó", ao passo que nos distanciamos para sentar e assistir a aula.

Comecei a refletir sobre a honesta pergunta "você tem alguém?". Minhas conclusões? Várias e nenhuma.

Apesar de estar namorando, me sinto sozinho. Não por insuficiência por parte da minha parceira, mas por insuficiência minha.

Tenho notado que o meu tempo está cada vez menor, aliás, faço questão de encurtá-lo quando possível.

Não me alimento direito. Não cuido da aparência. Não me envolvo intimamente com ninguém.

Mesmo assim, espero que alguém me note.

Espero, todos os dias, que alguém acenda a luz e me salve do breu onde eu mesmo me enfiei.

Quero que percebam o quanto sofro. Quero que empatizem comigo quando encontrarem meus olhos, pesados e tristes, vagueando por aí.

Quiçá se interessem por uma qualidade minha que eu sempre enxerguei como defeito.

Um interesse genuíno, cuja origem não se pode rastrear por um fato objetivo.

A realidade, no entanto, é insensível aos desejos de um mero grão na ampulheta das massas.

Respiro o fim, anseio pelo fim e vivo uma sequência de fins sem fim algum.

Minha finalidade é reparar naquilo que pensam que não reparo, dado que sou recluso.

Tenho sempre de gritar para ser ouvido. Gritar para ser ignorado, como um urbano desvairado.

Minhas amizades não são nada mais do que gritos que um dia, inevitavelmente, se atenuaram em um último eco.

Tenho vontade de chorar.

Tenho vontade de chorar, pois percebo que nunca alguém terá interesse em decifrar-me enquanto pessoa.

Tudo, quando relacionado a mim, está ligado à utilidade e ao sentimento causado.

Sou um fenômeno, uma coisa que existe na medida em que proporciona um ou mais eventos.

Já minha substância, causa de toda essa angústia, perecerá junto a mim, no caixão.

Essa substância não encontrará alívio na compreensão de outra pessoa, não.

Esse peito não se preencherá pelo amor de outra pessoa, não.

Esse corpo continuará sendo visto com nojo, por todos e, principalmente, pelo seu próprio dono.

Tento compensar minhas fraquezas com intelectualidade, acontece que o esforço é ingrato e inútil.

Do que adianta entender, quando não transmito credibilidade?

Do que adianta saber, quando outros milhares sabem a mesma coisa?

Minhas especificidades? Morrerão comigo.

Minhas angústias? Morrerão comigo.

Minha paixão? Morrerá comigo.

Minha carência, desejo e vontade de ser acolhido genuinamente por outro ser humano? Serão minhas companhias na terra úmida.

Nos dias de chuva, quando eu já estiver debaixo da terra.

Nos dias ensolarado, enquanto eu ainda estou aqui.

No espelho sujo do ônibus e no limpíssimo vidro do prédio

Hei de olhar para esse mundo íngreme

e temê-lo, como um cão teme o desconhecido.

Eduardo Becher
Enviado por Eduardo Becher em 19/07/2022
Código do texto: T7563483
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