Aceitar as pessoas

Tem pessoas que, plausivelmente, professam o quanto gostariam de ajudar aos outros se tivessem condições. Só que nessa fala há uma pressuposição que precisamos esclarecer. Pensam que só poderiam ajudar se fossem grandes empresárias, donas de redes de bancos, agraciadas com uma conta recheada de zeros. Realmente, poder aquisitivo nos permitiria estender a mão a uma infinidade de gente. Contudo, temos algo bem mais prático, simples em termos financeiros e que pode ser ofertado de forma universal e democrática: a nossa compreensão. E talvez, em algum lugar, pode ser que bem ao nosso lado, pode ter alguém necessitado não de auxílios financeiros, mas de uma escuta que o acolha e compreenda, que não o julgue nem condene, que apenas o ouça com respeito e humanidade.

Dentro das chamadas psicologias humanistas temos a contribuição de um dos maiores psicólogos que esse mundo já conheceu, Carl Rogers. Ele revela que, quando crianças, enquanto estamos nos desenvolvendo e aprendendo a conhecer o mundo, aprendemos também que somos amados e aceitos apenas condicionalmente, ou seja, só seremos acolhidos e vistos pelas pessoas se fizermos exatamente o que elas esperam de nós. A gente cresce e continua com essa visão do mundo, que não é inteiramente errada: só seremos aceitos se atendermos às expectativas alheias.

Só que isso nos distancia de nosso verdadeiro autoconceito, como Rogers descreve. O autoconceito são as ideias que concebemos como sendo as capazes de dizerem quem somos. Mas quando essas ideias, em nossa idealização, distanciam-se de quem somos na realidade, entramos em incongruência com a nossa existência e isso causa o nosso sofrimento e desamparo. Explico melhor. Você pode ser um talentoso estudante de odontologia, como seus pais quiseram. E ele estão super orgulhosos do seu desempenho na faculdade e espalham para seus amigos que em poucos anos terão um dentista na família: chegam a brincar dizendo que quando precisarem de um implante, terão gratuitamente! Apesar do seu esforço para se sair bem nas matérias, algo dentro de si o faz sentir como se aquilo fosse vazio de significado, de sentido, não lhe dá prazer algum. Isso porque a sua verdadeira inclinação na vida não está em ser dentista, como esperam, mas, sim, trabalhar com artes plásticas e divulgar o seu trabalho para o mundo: é isso o que você gosta de fazer no quarto de portas fechadas e é isso o que procura na Internet quando não precisa se atarefar com aquela multidão de trabalhos que não o motivam nenhum pouco. Percebe? Distanciarmo-nos de nossas verdadeiras aspirações é o que causa a nossa dor.

Rogers, então, propõe que, na relação com o outro, é de fundamental importância e utilidade que possamos ser aceitos incondicionalmente: apesar de nossos defeitos e qualidades, apesar de nossas escolhas e caminhos, que sejamos simples e verdadeiramente aceitos, acolhidos e compreendidos porque essa experiência nos permite sentir que, não importa quem sejamos*, sempre teremos um espaço no coração daquelas pessoas que estimamos.

Com essa exposição quero retomar o que apontei no início da reflexão. Muitas pessoas, tendo boas intenções, querem ajudar alguém, mas não se sentem materialmente suficientes para isso. Fica aqui uma proposta: aceite, sem condições, sem “poréns”, sem exigências, as pessoas ao seu redor. Permita que elas possam confiar em seus ouvidos e em sua sutileza ao ouvi-las. Permita que, ao poderem se mostrar a você, elas se sintam livres para poderem se aceitar também. Permita que, através da sua sincera aceitação, as pessoas possam crescer!

(Texto de @Amilton.Jnior)

(*) Claro, respeitando o fato de que não podemos ferir as outras pessoas