A ilusão da felicidade constante

Felicidade. Talvez essa seja a palavra de ordem na sociedade atual. Talvez nunca tenha se falado tanto sobre felicidade só que em um sentido mercadológico, que gere lucro, que faça empresas enriquecerem e consumidores se embriagarem na ilusão de que, se fizerem o que anunciam como a receita para a felicidade, serão, de fato, felizes. Só que a felicidade pode não ser um sentimento. Porque sentimentos passam. São momentâneos. Acabam. Felicidade pode ser um estado. Estar feliz pode ser uma possibilidade. Mas a gente precisa entender que felicidade não é euforia, uma alegria incessante. Ser feliz é ver sentido na vida mesmo quando a dor existe.

Portanto, felicidade não depende de medicamentos ou produtos, mas das escolhas que fazemos nessa vida. Depende de quem vamos colocar para caminhar conosco, depende do que vamos priorizar como importante em nossa história, depende da maneira como iremos desenvolver um relacionamento com a gente mesmo. E esse processo, como todo processo pressupõe ser, não é imediato, automático, mágico. Pode ser que algumas pessoas só consigam dizer com sinceridade e genuinidade que são felizes quando estiverem saboreando o misterioso gosto dos últimos minutos de suas histórias.

E digo essas coisas porque, na ilusão de uma felicidade usada como marketing, as pessoas se condenam por não ter no rosto aquele sorriso constante, no olhar, aquele brilho infindável, e na vida aquelas conquistas surreais. Porque é assim que vendem a felicidade. Pessoas felizes são pessoas bem-sucedidas. E pessoas bem-sucedidas são aquelas que nunca choram, nunca se curvam, nunca se cansam. Resumindo, pessoas bem-sucedidas, na vida como ela é, não existem.

Porque nossa humanidade nos garante emoções opostas entre si. Na vida acontecem coisas que nos desestabilizam e ferem por dentro. Dá para continuar expressando uma felicidade superficial diante da morte de quem mais amamos? Dá para ignorar o fato de que estamos desesperados por termos perdido o emprego só porque não podemos abaixar a cabeça nunca? Dá para soltar fogos de artifício em pleno término de um relacionamento que um dia foi tão significativo? Não dá. O que acontece é que as pessoas, nessa ilusão de felicidade constante, começaram a ignorar a dor, não a tratam, anestesiam-se enchendo-se de obrigações, de tarefas, colocando-se a uma corrida interminável.

Ocorre que aquilo que não cuidamos, que ignoramos e fingimos não existir, silenciosamente vai crescendo, ganhando proporção e nos consumindo por dentro. É quando começamos a sentir que nada mais importa, que nada mais tem sentido, que nada mais nos encanta. É quando olhamos para a felicidade que pensamos possuir, já que seguimos as receitinhas milagrosas, e vemos que ela não passava de conto de fada. É quando a verdade bate à nossa porta: sim, a vida é maravilhosa, mas, sim, a vida também é dolorosamente incômoda. Porque na vida tudo acontece. No entanto esse tudo pouco se importa com as ilusões que criamos em nossa mente.

Nossa tarefa, portanto, é entender que não dá para ter essa felicidade eterna que vendem por aí e que nos mandam fazer uma limonada a cada limão que a vida nos der. Às vezes não teremos a água, ou o liquidificador, ou simplesmente estaremos destruídos demais para um simples esforço. A felicidade pode ser vivida quando vivemos uma vida sincera e honesta. Só que essa felicidade não quer dizer “ausência de tristeza ou de problemas”. Essa felicidade apenas nos acompanhará nos momentos mais angustiantes que precisarmos enfrentar. Ela, por exemplo, se manifestará quando, destruídos por dentro, sangrando, chorando a partida do amor da nossa vida, podermos olhar para o céu amargamente agradecidos pela felicidade de termos tido a chance de experimentar a vida ao seu lado. A felicidade não nos anestesia para a vida. Apenas nos mostra o que importa realmente.

(Texto de @Amilton.Jnior)