PALAVRAS QUE CURAM

Sempre fui amiga das letras. Quando mais jovem, lia de todo jeito, a torto e a direito como dizem.

Depois descobri que gostava de escrever, por muito tempo escrevi para mim, nos meus diários, histórias minhas para mim mesma, com minha letra pequena e leve, que mal marcava a página seguinte.

Depois escrevia para os outros, cartas de despedida, agradecimentos, geralmente cartas de despedida aos amigos da igreja que frequentava.

Despedidas sempre me marcaram, porque eu encarregada de lembrar de tudo, contar tudo de forma bonita e ainda ler sem chorar, que era a parte mais difícil, porque eu sempre tenho uma lágrima pronta, assim como sempre tenho uma piada e um sorriso.

Lembro que tive uma amiga que foi morar em outra cidade, e sempre que ela me visitava, tinha uma carta, que falava da saudade que eu sentia, das aulas que eram chatas sem a companhia dela. Até que um dia ela partiu, e mesmo existindo, não houve mais cartas, nem visitas, nem nada. Mas fiz novas amigas, e vieram novas cartas, com novas memórias e novas companhias de aula. Amigas que também partiram de mim, não o partir eterno da morte, mas o partir doloroso de quem um dia decidiu não ser mais, por motivos que até hoje desconheço.

As partidas nos redesenham, inconscientemente deixamos uma versão de nós ali, naquela existência e passamos a viver com uma versão de nós que até então não existia, preparada para uma nova jornada, às vezes num mesmo caminho, mas num novo caminhar.

Enquanto os outros partem de nós, nós também partimos dos outros e de nós mesmos, às vezes por necessidade, por não cabermos mais dentro dos espaços, às vezes gentil e sutilmente, outras vezes abrupta e intempestivamente, nos despedimos e seguimos, às vezes num mesmo caminho, mas num novo caminhar.

Algumas partidas doem mais que outras, o partir eterno da morte por exemplo, demora muito a passar, e talvez seja o que mais nos transforma, justamente por ser eterno, inevitável e, para piorar, repentino, quando vemos, quem era parte de nós não é mais, enquanto nós ainda somos e precisamos continuar sendo, por muito tempo quebrados, vazios e incompletos, até um dia sermos novamente nós, às vezes num mesmo caminho, mas num novo caminhar.

As palavras me salvaram de muitas formas, quando posso falar e escrever minhas dores, é como se pudesse de alguma forma materializar, ver a dor e isso a torna menor, como se uma vez fora de mim, o espaço da dor fosse automaticamente preenchido por paz, luz e cura.

Aprendi que palavras também curam, por dentro e por fora, e decidi que sempre que possível seria quem fala de cura, mas percebi que isso, me fazia voltar a dores desnecessárias de feridas já fechadas.

E foi nesse momento que aprendi a seguinte lição: às vezes nem sempre precisamos ser quem cura alguém, mas sempre precisamos ser quem tem o cuidado de não feri-lo mais.