A quarta margem do rio é a palavra

A quarta margem do rio é palavra

Eis que vendo o capítulo final da novela “Pantanal”, me lembrei de uma experiência parecida pela qual passei. Foi logo quando fui transferido para o Colégio Estadual Santos Dias em Neves. (Estou nostálgico, escrevendo coisas aleatórias nesses dias, e taciturno demais.) Não me lembro mais se foi no horário da manhã ou da tarde (os únicos que eu podia frequentar na escola), mas lembro que foi em um dia, seguindo meu caminho. Encontrei um “velho” também. Acho que ele não falava por alguma deficiência. Era um dia frio (isso lembro) e a expressão dele parecia um pedido de socorro. Seus olhos pediam um cobertor e uma esmola, mas eu, na época um estudante emburrado e pouco consciente do mundo nada tinha a oferecer. Segui o caminho e a imagem dele me marcou. (Era extremamente parecido fisicamente com nosso antigo zelador do prédio.) No dia seguinte, levei um cobertor. Ele desaparecera. Procurei um pouco antes de prosseguir, mas nada dele. Sumiu como se nunca tivesse existido. Ainda hoje, ao passar pelo mesmo ponto, o busco. Sinto como se tivesse deixado passar uma possibilidade, um contato, uma oportunidade de humanizar a ele e a mim. Parece sandice, mas eu cria realmente no que digo: ainda acho que ele não era terreno, corpóreo. Quando vi a cena do velho do Rio indo “desencantar” no encontro das águas, essa memória me veio à mente e precisava escrevê-la. As palavras pra São facas, ora são sistemas, ora são um mundo. Para mim, como hoje vocês podem ver, continuam sendo um propiciatório onde “eu” deságua. Aliás, seguindo Sartre de mais perto: quem deságua é a situação do eu.

Mateus Nascimento,

em Neves, 7 de outubro de 2022.

Mateus Schneider Nascimento
Enviado por Mateus Schneider Nascimento em 07/10/2022
Código do texto: T7622626
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