De Todo Coração

Não importa. Verdadeiramente não importa. Tenha você sido uma boa criança, uma talentosa criança, cheia de ânimo, de alegria, um jovem estudioso, educado, aplicado, tenha ou não tido boas experiências, caráter, valores, sonhos, estendido suas mãos ao próximo, não atentado contra o próximo, tenha ou não trabalhado duro, criado filhos, construído uma casa, honrado suas dívidas, compromissos, promessas... tenha ou não você sido alguém legal, alguém importante, virtuoso, não importa. Você nunca será suficientemente bom. Você jamais será Verdadeiramente amado como gostaria ou mereceria ser. E você não viverá o suficiente para que tudo tenha valido a pena.

É tão injusto, tão indigno... mas é a vida. A maneira como acabamos é feia, dolorosa, vergonhosa, traumática, em alguns casos...diria patética. Mas verdadeiramente não importa, quando acabar, a sensação será de que tudo foi em vão, que mais um dia e a gente colocaria tudo nos eixos. Porém não há eixos, e não haverá mais um dia. Por isso invejo a palavra, ela pode ser dura, mas por vezes também acalenta. Pode ser violenta, porém tão poderosa a ponto de nos trazer paz. Pode ser, também, silenciosa, mas capaz de criar tempestades em nossos corações. Entretanto, algumas palavras já nascem mortas, são esquecíveis, desnecessárias ou incompletas desde sua origem: o querer dizer alguma coisa. Eu queria ser uma palavra. Ser eterno se tiver de ser eterno, ser breve se tiver de ser breve, ou morto se tiver de ser morto. Mas não sou, não é mesmo? Eu sou um homem. Eu sou um homem sofrendo das mesmas dores que qualquer outro sofreu, sofre ou sofreria. Estou sofrendo a dor que é existir.

Prometeram-nos um futuro, o sonho de uma profissão, que seríamos todos vitoriosos, nos prometeram um amor, churrascos nos de semana, uma família, prometeram viagens, lugares lindos, distantes, paradisíacos, nos prometeram uma vida. E nada disseram sobre a morte, ninguém nos contou sobre perder alguém. Ninguém nos falou sobre as fortes estatísticas de sermos derrotados, mutilados, auto mutilados. Não falaram sobre a solidão. Sobre não ter o que comer. Não ter onde ir ou quem visitar. A dor, não nos falaram sobre a dor. O medo. A culpa. Todos os arrependimentos. Não me contaram sobre ter uma alma morta e enclausurada num corpo que anda. Quando você foi criança, ninguém te contou sobre como é desejar estar mais morto que vivo, ninguém lhe disse a verdade.

E ela importa? A verdade importa? Estamos ansiosos por coisas de verdade, pessoas de verdade, acontecimentos de verdade, encontros de verdade. Entretanto não estamos prontos para isso. Pois a verdade pura e simples parece mentirosa demais, insuficiente demais, então é mais agradável o sabor da mentira.

O que ainda me surpreende é este meu amor. Deito-o sobre a pele e sobre os pelos dos mais variados seres que toco. Esse meu amor pelas coisas, das sólidas às mais abstratas possíveis é o que restou de mim. Um amor rejeitado. Entregue a quem jamais fez questão de tê-lo. Um amor iludido, idólatra daqueles que não possuíam o mínimo valor sequer. Um amor solitário, condenado a espalhar-se até alcançar o inevitável fim. Um amor não retribuído.

Escondido no fundo das gavetas e travestido de medo, o medo de não tê-lo próprio vivido-o. Quem sofre é o coração, ele absorve todos os enganos dessa busca quase ancestral. Porque as coisas se acham, se conectam, todas elas, embora de naturezas completamente diferentes, se encontram. E neste emaranhado eu estou sozinho, dedicando alguns verbos a quem já não pode ler, a quem seguiu largando minha mão. Este meu amor é o único a me surpreender, não por sua força, ou tamanho ou pureza, mas por sua provável imperfeição.

Um Rapaz Meio Estranho
Enviado por Um Rapaz Meio Estranho em 30/01/2023
Código do texto: T7707302
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