Em nosso íntimo

Eu não consigo ler os seus pensamentos. Assim como você não consegue descobrir o que carrego em meus mais profundos intentos. A menos que verbalizemos o conteúdo de nossos sonhos, os componentes de nossos anseios, aqueles aspectos de nossa existência que não podem ser contemplados na superfície de nossa vida, mas que estão escondidos naqueles espaços nos quais apenas nós mesmos, donos de nossas vidas, temos acesso. Só podem conhecer a real intensidade da nossa dor se a descrevermos. E ainda assim não saberão com exatidão do que é que estamos falando. Terão uma noção. Saberão que vivemos com alguma dor, importunados por alguma amargura, mas a real intensidade, as reais sensações, apenas nós, experimentadores de tais infortúnios, conheceremos. Podemos estar diante do ser humano mais empática de todo o Universo. Ele poderá se aproximar. Chegar perto. Mas apenas nós seremos detentores da completa compreensão das angústias que enfrentamos dia após dia. Apenas nós, em nosso mais profundo íntimo.

E falo essas coisas porque temos nos perdido de nossa sensibilidade (se é que em algum momento a tivemos genuinamente). E essa insensibilidade intensifica o que por si só arde em demasia. Essa insensibilidade é tão atroz porque ela promove julgamentos ignorantes, posturas mesquinhas, dedos que são apontados de forma violenta e petulante. Não conhecem a nossa dor. Desdenham a nossa dor. E ainda contribuem para que ela doa mais. Não nos perguntam sobre ela. Nem por educação. É como se fôssemos capazes de suportar todas as afrontas do mundo. É como se olhassem para nós e vissem alguém que é forte o bastante para suportar o peso do mundo. Não contemplam a nossa humanidade. Não são sensíveis o bastante para, se não puderem nos curar, ao menos não nos causar novos machucados.

É tempo de nos sensibilizarmos diante das pessoas. Não sabemos o que elas estão enfrentando em segredo, no seu íntimo, naquela parte de suas existências que apenas elas mesmas conseguem acessar. Não sabemos qual guerra as pessoas travam dentro de si mesmas. Quais lutas lutam. Quais batalhas estão enfrentando. Não sabemos quais lágrimas elas têm chorado e quais súplicas têm alçado. Não sabemos quais são os seus desejos, os seus sonhos, quais são as suas aspirações e inclinações. Não conhecemos a história das pessoas. Não sabemos o que elas esperam da vida. Nem ao menos compreendemos como é que elas enxergam o mundo. Nublado ou ensolarado? Não sabemos porque não perguntamos. E, apesar de não permitirmos que elas nos falem, falamos por elas, cometemos nossos julgamentos e intensificamos o sofrimento.

Assim como não conhecem o tamanho da sua dor, você não conhece o tamanho da dor dos outros. E acha justo que julguem o seu sofrimento sem nem ao menos o conhecerem? Então como podemos adotar uma postura assim na vida? Julgar as lágrimas? Os lamentos? Os desgostos dos outros? Como podemos dizer coisas absurdas que invalidam as suas dificuldades e minimizam os seus esforços? Como criticar o sorriso de alguém que depois de tanta dor finalmente sentiu um pouco de alívio? Como conseguimos ser tão insensíveis?

Que possamos desenvolver a nossa habilidade empática. Talvez não consigamos sentir realmente a dor das outras pessoas. Talvez não consigamos nos sentar em seus lugares e contemplar o mundo como elas contemplam, porque mesmo nos sentando nas posições que elas ocupam carregaremos conosco nossas próprias particularidades e características. Mas a empatia pode ser simplificada. Se por um lado não experimentaremos por completo a existência do outro, ao menos poderemos compreendê-la a partir do que ele disser, desde que lhe permitamos falar a partir de si mesmo. Talvez a empatia comece por aí. Comece por nos disponibilizarmos a ouvir o outro sobre a sua dor ao invés de falarmos por ele o que só sabemos da nossa perspectiva.

(Texto de @Amilton.Jnior)