O dia em que a morte chegou

Eu estava lá olhando o vazio. Tinha o verde das árvores, alguns insetos voando.

O vento estava quente, o sol escaldante. As horas se esvaiam sem nenhum proveito.

Então, as lembranças começaram a inundar meu cérebro. Imagens, sons, situações.

Revivi a felicidade em pequenas doses. Aquele dia correndo atrás das borboletas.

O sorriso de minha mãe. Os cabelos dourados do meu irmão. Suas sardas tão fofas.

A dureza no olhar de meu pai. As brigas pelos brinquedos com meu outro irmão mimado.

O exemplo de servidão do meu irmão mais velho. A proposta de suicídio de minha melhor amiga.

As brincadeiras na escola. A doçura da professora de ciências, a Yoshie.

As aventuras de matar aula uma vez ou outra. A adrenalina do perigo.

O encanto da amizade. O respeito pelos mestres.

A difícil arte de ser adolescente. O primeiro amor. A imprescindível aceitação das espinhas.

Os tabus virando urubus. Um aviso das estrelas. O rompimento dos sonhos.

O amadurecimento forçado. O colorido perecível do casamento.

A vinda feliz dos filhos. Seus sorrisos tão gostosos. Os cabelos dourados esvoaçantes.

Filhos vibrantes, inteligentes. Infância dócil e breve.

“Aborrecência” em alta. Rebeldia em falta. Geração canguru.

Filhos distópicos. Cacotopia mundial. Antiutopia de gênero.

Guerra fria se transformando em guerra de andropausa.

Esperança nunca morre e também nunca sai de moda.

Influencer disfuncionais. Ambiguidade de ideias. Ambiguidade de ideais. Ortografia deformada em prol do comércio.

Avatares metalinguísticos. Bruxismo de valores.

Tsunamis de almas. Degelo da possível fragrância evolutiva...e para minha surpresa, ainda não morri.

Creio que aquele vazio adiante não era tão fútil assim.

Anne Laskowiski