Paralisação nacional nas universidades federais

O dia de hoje foi marcado como o dia em que, munidos de autonomia sindical, professores, servidores da educação e estudantes se ergueram diante de pautas que reivindicam, como a recomposição salarial, dadas as perdas provocadas pelos últimos governos, a melhoria das condições nas instituições por intermédio de investimentos e políticas públicas, além da reestruturação dos planos de carreira. Tais motivações são dignas de uma luta que pode ser exitosa em seu objetivo, e deleitável pelos servidores que se sentem em paz em participar de uma assembleia na qual depositam metade de suas esperanças.

Não é necessário que voltemos tantos anos no tempo para identificarmos a importância das greves na consolidação dos direitos, vez que a força coletiva exerce pressão sobre os detentores do poder na hierarquia das entidades públicas. No entanto, quando as manifestações ocorrem no âmbito das universidades, não se pode perder de vista que alguém sairá prejudicado, frequentemente os estudantes. Reconheço o valor das lutas sociais e a sua importância para mudanças proveitosas. Mais que isso, admiro os pleitos porque foi exatamente por esta via que conquistamos os direitos dos quais hoje podemos nos orgulhar.

Contudo, o ponto de minha contestação não é contrário às greves, mas sim de crítica a elas, e nisto reside uma salutar diferença. Liberdade de expressão e liberdade de reunião são direitos caríssimos, e as divergências são sempre um bom sinal para um regime democrático. A questão é que quando se fala de paralisação nas universidades públicas, não se fala somente na estagnação de uma universidade, na defasagem ainda maior pelo fato de não ter professores ministrando aulas e sequer alunos no ambiente em que deveriam estar para uma formação plena.

Quando se fala em paralisação, fala-se principalmente na perda de serviços básicos que se estendem para além dos muros das salas de aula e alcançam a sociedade. Rompe-se assustadoramente o vínculo entre a universidade e as pessoas que dependem dela, como por exemplo, para atendimento gratuito de saúde. Sem contar nas várias políticas de permanência sem as quais muitos estudantes não têm opção senão abandonar o meio acadêmico, tendo em vista a falta de perspectiva acerca de uma previsão para o fim de um tempo de balbúrdias que dificilmente mudará de forma significativa o status quo.

Não pretendo em minha opinião reproduzir um discurso pessimista ou conservador, eu bem sei que a via do diálogo já foi buscada, apesar de infrutífera. E não me perguntem qual seria então a melhor solução para o problema, pois não sou de propostas nem de hipóteses, acompanho as crises realisticamente e tenho afeição pelo viés contramajoritário. A verdade é que o maior combate e a luta mais sincera dos técnicos administrativos, professores e estudantes é estar na revolução cotidiana da universidade, garantindo a qualidade da educação pública e reunindo suas forças e seus gritos para a batalha diária que é construir o ensino superior no país das desigualdades. A maior greve da qual um professor no Brasil pode tomar partido é a greve contra as políticas implícitas de extermínio da educação formal proclamadas por governos direitistas, a guerrilha mais necessária é estar em sala de aula em nos nossos tempos sombrios.

Enquanto estudante de universidade pública, o que pude sentir nestas últimas semanas desde o início do semestre letivo, foi um profundo descaso por parte dos próprios personagens que escrevem a história da educação. Como estudar com qualidade se a biblioteca permanece fechada por tempo indefinido? Como saber se haverá refeição no restaurante universitário ou não? O sentimento é de limitação e insegurança, e o contexto é de aprofundamento da escassez e de estatização no tempo da ciência, do conhecimento e da cultura.

Em síntese, a educação brasileira não vive sua época áurea, mas nem por isso devemos esquecer que ao menos temos uma universidade ao nosso dispor que pode ser constantemente aperfeiçoada. Para tanto, espero que não nos percamos no meio de lutas que além de amortecerem toda uma estrutura, retiram o que não temos em razão de direitos cujo alcance é mera projeção. Entristeço-me diante da hipocrisia daqueles que afirmam lutar pela universidade paralisando-a, pois a maior ousadia para esses tempos é fazer valer a força restante que emana das instituições de ensino públicas em seu propósito vital.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 03/04/2024
Código do texto: T8034100
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