Refugiados Climáticos

Ontem, fui buscar minha sogra em uma missão tensa. Sem sinal de celular e à beira de uma água que teima em invadir a cidade, após horas de irritação, ansiedade, choro e muita tensão, conseguimos, eu e minha namorada, trazê-la para um lugar pretensamente seguro. Uma refugiada climática.

Começo o meu relato com minha experiência pessoal sobre minha sogra. Tantos outros relatos, milhares, ainda mais dramáticos, muitos gaúchos viveram, e com desfechos mais trágicos. Não diminuem o meu relato, porém refletem a dimensão da tragédia coletiva. Estamos todos assim, neste momento. Atualizo minha rede social a todo momento com informações do governo estadual e municipal, as águas devastadoras que percorrem longas distâncias estão chegando aqui.

Colegas de profissão, estudantes a quem dou aula e a sociedade civil estão neste momento trabalhando tensos e ansiosos, querendo ajudar. Muitos assim como minha filha ainda traumatizados pela pandemia, sentindo os efeitos das enchentes que vão para além das águas, um emergir de muitas outras urgências pessoais e sociais.

Em 2011, vivi de perto os desdobramentos durante e após a enxurrada em São Lourenço do Sul. Hoje, me encontro na zona de risco, no quarto andar, enquanto atualizo as notícias à meia-noite do dia 10 para 11 de maio de 2024. A sensação de déjà vu é avassaladora: a angústia da incerteza diante do iminente e o peso da responsabilidade por minha família e por aqueles que mais necessitam.

É uma sobrecarga emocional constante. A ansiedade toma conta de mim diante do previsto e imprevisível curso dos acontecimentos. O silêncio da chuva cessou, pelo menos por enquanto. Planejo uma rota de fuga para o Fragata, na casa da minha família, que já abriga um número considerável de pessoas. Esta nova pandemia, uma inundação de proporções desconhecidas, nos pegou desprevenidos. Contudo, tenho buscado manter-me calmo, desempenhando meu papel ao cuidar da minha família e oferecendo apoio àqueles que mais necessitam, apesar das circunstâncias desafiadoras.

Nossa praia, o Laranjal, já encheu. Meu São Gonçalo, de tantas pescarias, tá bem cheio. Enquanto escrevo, um caminhão do exército passa por aqui.

Minha escrita está livre, um tanto desconexa, é quase proposital, não tô dado à versos como de costume, quero apenas um relato puro que alivia a ansiedade e me deixa mais seguro. Seguro do que sinto, do que vivo. Um dia isso passa, porém voltará. Espero que esta onda de solidariedade se mantenha e impulsione mudanças importantes, não só na contenção das águas deste enchente, mas que abarque as necessidades sociais já existentes que estavam soterradas dentro do leito de cada um, da família de todos estes uns.

É contraditório mas ainda assim importante estas crises para tratar de questões de saúde mental, do campo social que acomete tanta gente. Temos que manter a utopia de uma sociedade mais justa e organizada.

Preparada!

Esperança de dias mais justos e tranquilos. Que tenhamos uma enxurrada de aprendizados nesta crise toda. Ela passará, mas voltará.