CUIAS, COITÉS E OUTRAS QUIÇAÇAS...

Ranchinho coberto de palhas de buriti, paredes de enchimento de barro e madeira.
Chão batido, esteios nos quatro cantos. Madeira roliça de pindaíba e ripas de tabocas.
Várias cuias, coités, cabaças e outras quiçaças de cozinha.
Potes de barros na salinha pra esfriar a água; embornal ou capanga, prá trazer as compras lá da vila.
Forno de barro prá assar biscoitos e leitôa. Roupas e cobertas de algodão tecidas no tear. Carne de lata e banha de porco na dispensa.

Frango caipira com quiabo aos domingos, toucinho de porco prá fazer o torresmo. Omelete caprichado com jiló verde, jurubeba amarga curtida no vinagre prá abrir o apetite. Urucum e açafrão prá temperar a carne fresca.Tripas de capado caipira prá fazer uma saborosa linguiça.
Leite fervido com a deliciosa farinha de milho; goma de mandioca prá fazer mingau,
crueira de mandioca e fubá de milho prá fazer bolo e assar na tampa de lata, cheia de brasas.
Carne seca no arroz, mandioca assada na fogueira. Moringa prá carregar água nas viagens e levar pra refrescar à sombra do jacarandá.


Pirunga de vidro na cristaleira, para colocar doces. Prateleira de madeira para colocar as vasilhas...mesas de tamboril e tamboretes na sala de visita. Milho verde prá assar, fazer pamonha, mingau e angú. Moqueca de Curimatá acompanhada com o molho de guariroba. Broto de japecanga lá do roçado refogado no almoço...Engenho puxado por bois carreiros prá fazer a garapa. Maceira de pau prá fazer batida, puxa, melado e dezenas de rapaduras.Tachos de cobre prá torrar mandioca e fazer farinha. Mel de abelha Jataí e resina de angico prá se lambuzar. Chupar murici, pitomba, cagaita e ingá! Comer goiabas, jambos, marmeladinha de cachorro e se entalar com um carnudo jatobá.


Garrafa dependurada no pé de laranja com a garapa de cana prá apurar o vinagre. Manteiga caseira  feita do leite de gado, apurada no balanço da garrafa. Ovos de galinha caipira ou cocá, batidos com açúcar e farinha e omelete na merenda da tarde. Arroz doce com leite e canela prá se fartar. Picumã nas palhas pretas por cima do encarvoado fogão. Café amargo no bule prá fazer boca de pito, adoçado com tacos de rapadura. A delícia do néctar do sereno na branca flor do mororó.


Farinha com açúcar e água, a deliciosa jacuba. Paçoca de carne seca e de amendoim prá animar o sujeito. Gemada quente e deliciosa prá fortalecer os ânimos. Farofas de carnes de tatu, codorna, jacú, jaó e perdiz...e também as pelotas de carne de veado catingueiro prá tira gosto. Se ainda não tiver colhido o feijão, se come a fava. Laranja selecta ou da terra prá fazer doces e deliciosas compotas. Rapadura raspada com farinha de mandioca prá dá energia. Camas de varas, colchões de palha e capim. Hortas cercadas com tabocas e bambu. Jirau de aroeira prá escorrer e secar a água das vasilhas. Aprender a preparar a imbira prá fazer pêias de frangos e galinhas.


Botinas mateiras ou precatas de couro prá calçar. Gamela de pau prá lavar roupas ou vasilhas lá na bica d’água. Canivete ou faca com cabos feitos de osso, bem amolados, prá poder picar o fumo e cortar as unhas. Facão na cintura, cigarro de palha e pedra de amolá. Boque prá tirar fogo ou isqueiro de pavio e querosene. Taquara comprida, prá fazer vara de pescar traíras e bagres. E nas pescadas, não se irritar com as fisgadas dos cágados no anzol. Arame farpado prá cercar a roça e dividir a propriedade. Enxada "02caras" prá campinar as mundiças da roça e do quintal.


Foice amolada prá roçar as capoeiras e as sarobas na envernada. Machado de aço "colim" prá lapidar as aroeiras de fazer os moirões de cerca. Laços de couro de novilhas e rédeas de sedém. Perneira prá campear o gado no capão de mato ou nos gerais,  estribo niquelado das selas cuturna ou pantaneira. Canga e canzil, brochas e ferrão, chaveia e cambão do carro de bois. Chapéu de palha na cabeça, camisa de voltomundo, branca de suor no fim da tarde. Arreios, cabrestos e arriatas, couchonil de algodão, capas e xêrgas. Carro de boi carregado, cantando ou chorando, no grande espigão. Prá preparar a lavoura, arado de bico de aço, puxado por uma junta bois carreiros ou por um cavalo alazão.


Esterco de cavalo pra adubar horta e outras plantações..Cana caiana, a roxa ou a própria de cavalo prá fazer ração por gado. Sal "Ema" e mineral no cocho pro rebanho ganhar peso e aumentar o leite.

Cabaça de pescoço prá levar água prá peonada da roça. Barbilhos prá desmamar a bezerrada de ano. Polaques e cangalhas de madeira prás vacas roceiras. Campear a tropa solta na "larga" do sítio. Comer os borlés (fruta de cera), olá fruta de tucano, o araticum e a pinha do vasto cerrado. Também é comum assustar o “João Tolo” dormindo no "pau terra" sob o sol escaldante do meio dia. Galão de querosene "jacaré" prá abastecer as lamparinas. E prá fazer o sabão "diquada", o que precisa-se é de cinza e muiiiiita paciência. Muitos pés de palmas e piteiras ou cizal por todo lado... as moitas de macambira ou do gravatá, ambos saborosos, mais espinhentos! Ouvir o cantar das siriemas, nos campos e nos gerais. À tarde, apartar os bezerros, prá poder tirar leite no outro dia de manhã.


Na primavera, campos floridos e canto ensurdecedor das cigarras, dos grilos e curicacas, nos barrancos dos córregos e grotas. Cêra de abelha derretida na fornalha prá colar as gravuras. Candeias de azeite e as palangas prá preparar os biscoitos. Missos (grampinhos) ou "romana" prá prender os cabelos das donzelas. Sêda de buriti prá fazer cordas de bodoque pra vigiar o arrozal das jandaias, periquitos, papagaios e pássaros pretos! Lenços de sêda prá passear e os de chita prá "lida" das muié. Para os nenês, fraldas de algodão, "desmazelo" e mamadeiras.


Na porta da fazenda, ninguém passa despercebido, são logo acuados pela cachorrada ou anunciados pelos quem-quéns ou quero-queros. Nas arapucas, juritis, verdadeiras de asas brancas e a velhaca galinha d'água ou saracura. No terreiro de casa, os galos índio e garnizé, cocás e galinhas caipiras e atualmente, encontramos os caipirões de granja. No mangueiro, porcas com muitos leitõezinhos e na estiva, capado gordo, de 10 arrobas, prá carne e gordura da despesa.

 

Por cima da fornalha, cachos de bananas prá amadurecerem. Tábuas de "curar" os queijos, dependuradas na área, com cabaças prá evitar as roídas dos ratos e dos catinguentos gambás e saruês. No fundo do quintal, um "monturo" (o que hoje, seria a compostagem) prá poder jogar o lixo. Na área aberta, é bem comum encontrar as "trempes" feitas de pedras ou de monte de cupinzeiro prá cozinhar e tripeças redondas, de mandeira, para sentar e prosear. Folhas lixentas de sambaíba e areia prá brilharem as vasilhas. Beijú ou tapioca de mandioca, café no bule, feito na chaleira.


Sarapatel de miúdos de porco e chouriço no cardápio rural. Ainda encontramos o cavalo pangaré ou  as mulas ou burros de arriatas com as argolas de alpaca, de ir às festas e folias de reis ou prá visitar a "parentaia" e a namoradinha que "zela" pra casamento...muito comum também as latinhas de torrado e rapé de fumo com imburana prá combater a sinusite. E prá matar os vermes, o famoso licor de cacau Xavier. Prá ficar forte, toma o Biotônico Fontoura, com semente de sucupira pra evitar a anemia. Pra evitar de difrussar pela carência da vitamina "A" e principalmente a "D" e conseguir "ataiar" antes de virar uma pneumonia ou bronquite asmática, toma logo uma colher de sopa cheia do terrível Emulsão Scott. 

 

Ruibarbo e cascas de romã, torrados e moídos, que na crença caipira, serve para curar uma "trenhêra" de coisas. Radinho de pilhas prá ouvirem as modas de viola e a "Voz do Brasil”. De vez em quando, um trago de cachaça "03 Fazendas" prá rebater a friagem. Um pito de palha prá espantar os muruíns e toda aquela mosquitada. Mas se descuidar e acabar difrussando, der febre e dor de cabeça, toma logo um comprimido “Doril” de 08 em 08 horas, com chá de alho e coentro e açafrão prá mode dá um dijitório na garganta...

 

Prá curar a infecção é só tomar um comprimido “Bactrim” e para evitar a dor no estômago, toma logo uma caneca cheia de leite de vaca, com mastruz no curral, de manhã.
Não pode faltar também os chás de erva-doce, cavacos de canela e hortelã, com bolo de fubá. Pêtas e biscoitos nas peneiras prá companheirada se animar!  Na ceia do Natal, leitôa assada, galinha cheia e vinho tinto. Caso o estômago enjorocar, toma o sumo da Alemanha, da Losna ou da Sete Dores. Prá ajudar na digestão, toma logo um Sonrisal ou o Estomazil. E se caso a barriga empansinar, e ficar arrotando "choco" o jeito é fazer um rescaldo de cinzas ou tomar uma pitada de bicarbonato de sódio num copo d'água.


Essa é a vida do caipira, sertanejo, capiau...simples, objetivo, sonhador e astucioso, não tem vergonha das suas origens e de amar a sua família!
De dizer o que pensa e acredita e duvidar de quase tudo. Assim, na companhia da "renca" de filhos e da mulher, ele vive, trabalha muito, sonha, reza, espera, namora e se diverte, e como se diverte! Enfim, sente-se orgulhoso de ser chamado de peão caipira! Come e dorme sossegado, no recanto do seu sertão!




Foto: Fazenda Olhos D'Água - Município de Riachinho - MG - Arquivo pessoal do autor. Na foto Sr. João Ribeiro da Silva (sertanejo arretado).
Nota do Autor: Vivi até os 09 anos de idade na roça, onde estudei até a 3ª série primária, (hoje, o 4° ano de estudos), com minha irmã e professora Vanda Nunes de Souza, na antiga e extinta Escola Municipal Dioguino Martins Rodrigues. Alguns objetos, cenas e ou palavreados aqui mencionados, só os conheci nas (estórias) dos meus avós e antepassados. Agradeço a Edinha e Adriana, duas colegas do Departamento Municipal de Contabilidade da Secretaria de Fazenda da Prefeitura Municipal de Bonfinópolis de Minas, pelos lembretes que me fizeram e até mesmo pelo desconhecimento de algumas situações, que despertou em mim as lembranças e fez tornar possível essa minha modesta homenagem aos trabalhadores rurais, lavradores de sonhos, sertanejos capiais e caipiras do nosso imenso Brasil, dentre eles, sinto-me parte integrante deste mundo de paz, sossego e harmonia!Bonfinópolis de Minas - MG, 03 de Dezembro de 2009. Texto gravado no CD Coletânea Póetica "Obras de Poetas Bonfinopolitanos"

POETA NUNES DE SOUZA
Enviado por POETA NUNES DE SOUZA em 03/12/2009
Reeditado em 17/01/2023
Código do texto: T1958423
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