LAMENTO DE UM BOI DE CARRO

Os riscos que as ferragens das rodas do carretão fazem nas nossas vidas são mais sutis e melindrosos que escrevinhar sobre tais.

Certa feita eu vi um carro de boi despencando sobre mim numa descida de carreador onde só os carrões subiam. Estes quando motorizados com bois de categoria singular. Óleo diesel e pneusada só na rodage longe dali.

Mas não é disso que lamenta este pobre ruminante.

Puxar a carga, segurar o peso, subir a ladeira e ainda esquivar das varas e ferrões, eram atitudes.

Atividade una!

Dolorida, pesada como a carga pro carreiro.

Que bom que o progresso veio e me tirou esse peso desmedido. Ind’oje eu trago o meu lombo marcado de vara de broto de folha larga e as ancas marcada de ferrão como estrelas na noite sem lua.

Meu patrão-dono me dava duas coisas boas: água e desato de nó da guia. No meu pescoço eu senti o peso da carga, dos tocos quando o carro batia a roda de madeira. Porque não inventaram uma coisa chamada pneu?

O ardor da cipoada no lombo ainda me corta a alma de boi.

Escravo? Nada! eu era tido como bicho de estimação. Que inveja do cachorro. Vira-lata? Isso era nome nobre!

Eu tenho nome, sou carne e osso e sonho. Mas me apelidam de cada coisa!

Minha famiage teve sorte pior! Matadouro!

metade morreu de sede, metade esquartejado no matadouro!

Eu e minha sorte cruel: puxar madeira na corrente, carretão e o maldito carro de nós bois. Este último é o trauma da minha espécie. Morando em ladêrarriba, pior ainda!

Nas viagens quando a carga era considerada pelos humanos de leve ou contrapeso, eu era obrigado a esperá-los almoçar sob sombra fora do caminho, deitado no chão quente, remoendo meu sofrer, com a canga sobre meu dorso. o Pior é que o carro de nós bois estava engatado. Porque não tirava aquela merda enquanto almoçava?

Será que eles achavam isso bonito? Ou era para me zombar, humilhar...

Levanta Brioso! Levanta Caeté!

Na purunga deles uns 10 copo d'água.

O rio é tão longe!

Estradas secas e ladeiras esburacadas!

Sair da casa do meu patrão-dono com pouco peso é sinal de brutalidade na volta.

O fidumaégua mora em cima dum moro.

Que sorte cruel!

Como chama mesmo a minha aposentadoria?

M-a-t-a-d-o-u-r-o...

Ah! Isso mesmo! Matadouro?

Uelton Nogueira
Enviado por Uelton Nogueira em 16/09/2011
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