CADEIAS DE FOME

CADEIAS DE FOME

Autor: Maurício Irineu

Eu mim chamo Sivirino

Tenho muié e seis minino

Qué pra mim assustentá

Deixei o interiô

Pruquê a seca castigô

E tudo que a gente prantô

Nada deu pra apruveitá.

Foi quando eu resoivi

Cá cumigo decidi:

A seca tudo consome

Vou sair desse torrão

Vou mimbora do sertão

Pra nós num morrê de fome.

Chegando na capitá

Arranchei o pessuá

E fui procurá selviço

Andei para todo lado

Com os pé já caliçado

No bolso, nem um cruzado

Meu Deus, pruquê tudo isso?

Sai dia entra dia

E nada aconticia

Qué pra vida miorá

E eu fui compriendendo:

O que é que eu tô fazendo?

O meu tempo tô perdendo

Sem conseguí trabaiá.

Cumecei a lamentá

E pelos canto chorá

Dessa tá situação

A muié passando fome

Só mim dizendo,”ó home

O que os minino come?

Nós num tem siqué um pão.”

E foi nesse disispero

Que eu ohei pros brasileiro

Que vive gastando à toa

Sem siqué ter trabaiado

Os fio tão bem trajado

Na iscola educado

Vivendo assim numa boa.

Mim lembrei dos marajá

Que vive a esbanjá

O dinheiro da nação

E inté o presidente

Mim parece tá demente

Apoiando essa gente

E num lembra de nóis não.

Nunca peguei no aleio

Mas a coisa tava feia

Ninguém mim dava emprego

Nem siqué um saco tinha

Pra pedí u´a irmolinha

E daquela gente todinha

Ninguém quis mim dá arrego.

Agora eu aqui confesso

Sempre fui um home honesto

Mim orgulho de falá

Mas vendo a situação:

Muié e fio sem pão

Mim partiu o coração

E eu tive que mim “virá”.

Entrei num supermercado

Noite sem lua, nubrado

Eu só quiria cumida

Mas veio um guarda pur trás

E disse “quieto rapaz,

Nenhum movimento mais

Senão eu tiro-lhe a vida”.

Ligou prá um capitão

Que mandou um camburão

E logo fui algemado

Eu cumecei a chorá

Pois ficava a pensá:

“Meus fio cumo é que tá?

Que será deles coitado?!”

Já dento do camburão

Eu fui pará na prisão

Sem pudê mim defendê

Passei a noite chorando

Pidindo a Deus e rezando

De juelho supricando

Pra famia num morrê.

Eu sou um pobe coitado

Num tenho adevogado

Prá mim livrá da prisão

Eu estou nesse lugar

Não pru eu sê marginar

Eu só quis alimentá

Minha famia de pão.

Mas é esse o distino

De nóis, pobe nordestino

Que vem do interiô

Os home da capitá

Num deixa nóis trabaiá

Inda vem nos afastá

Do fruto do nosso amô.

Porém rogo ao Deus-Minino:

Lembrai desse nordestino

Que aprendeu a lição

E jamais irá pegá

No aleio e se apossá

Mermo que pra arranjá

Pros fio um pouco de pão.

E faça que o temporá

Caia no nosso lugar

Pra terra dá alimento

Num deixe que meus irmão

Homes de bom coração

Vindo em busca de pão

Se torne também detento!

MAURICIO IRINEU
Enviado por MAURICIO IRINEU em 07/06/2012
Reeditado em 10/06/2012
Código do texto: T3710636
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