CARRO DE BOI
(Sócrates Di Lima)


O velho carro de boi,
Que, ainda, vive por ai,
Desafiando o tempo foi,
A riqueza que eu não vi.

Em algum lugar,
No longínquo passado,
A vida era um  eterno lutar,
Do peão aboiando o gado.

O carro de boi, puxado por seis animais,
Os cachorros companheiros,
Que por perto não se vê mais,
Também não se vê os boiadeiros.

Quanta saudade,
Deve haver nos corações,
Quem distante da cidade,
Carreava nos sertões.

A vida era dura,
Mas vivida com emoção,
Onde naquela vida futura,
A cultura era trabalho sem escravidão.

Sob Sol do meio dia,
O carreiro seguia feliz,
Carreando em poesia,
A vida que a vida quiz.

Eu aqui fico pensando,
Como era o amor daqueles dias,
As mocinhas na janela esperando,
O seu amado vaquejando as companhias.

Eu nunca fui carreiro,
pois nasci muito tempo depois,
Mas, Eu penso daqueles carreiros o dia inteiro,
Abrindo as porteiras para os carros de bois.

Como deve ser triste esta saudade,
Para aqueles peões carreiros,
Ter vindo embora pra cidade,
E nunca mais ter sido boiadeiros.


CARRO DE BOI







Lúcia Gaspar
Bibliotecária da Fundação Joaquim Nabuco
pesquisaescolar@fundaj.gov.br Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

Sendo originário da Idade da Pedra ou do período Neolítco, o carro de boi surgiu no Brasil com os primeiros engenhos de açúcar, na época da colonização portuguesa.
Foi um dos primeiros instrumentos de trabalho, além do mais antigo e principal veículo de transporte utilizado no País, principalmente nas áreas rurais, por quase três séculos.
O carro é composto por duas rodas, um grade ou mesa de madeira e umeixo. As rodas são feitas de madeira de boa qualidade, com um anel de ferro de forma circular nas extremidades, para garantir maior resistência. Primitivamente, o carro não era ferrado e as pessoas diziam que “o carro andava na madeira”. A grade possui cerca de três metros de comprimento por um e meio de largura, com duas peças mais resistentes de cada lado e uma terceira no meio, mais comprida, destinada a atrelar o carro à canga, uma peça, também de madeira, com mais ou menos um metro de comprimento, contendo um corte anatômico para assentar bem no pescoço do boi, sendo segura por uma correia de couro chamada de brocha. A grade é apoiada sobre um eixo. O ponto de apoio da grade sobre o eixo são duas peças de madeira chamadas cocão. O chiado ou cantiga característica do carro de boi é produzido pelo atrito do cocão sobre o eixo.
As madeiras utilizadas na construção dos carros de boi tinham que ser fortes, principalmente as das rodas. As mais usadas eram o pau d`arco, aaroeira, a sucupira, a carnaubeira.
O carro de boi pode ser puxado por uma, duas ou mais juntas ou parelhas. Cada junta possui dois bois, que trabalham um ao lado do outro, unidos pelacanga.
Nos terrenos mais planos e em trabalhos mais leves utiliza-se, normalmente, uma parelha e nos mais pesados, desenvolvidos em terrenos mais acidentados, duas ou mais, uma atrás da outra. As parelhas são conjugadas por uma corrente que liga as cangas.
Nos engenhos, durante o verão, época da moagem, o boi era atrelado ao carro para transportar a cana e o açúcar e, no inverno, ao arado para revolver e cavar a terra destinada ao plantio da cana-de-açúcar.
O condutor do carro que comanda os bois é chamado de carreiro. Normalmente, utiliza uma vara fina, com mais ou menos três metros de comprimento, contendo uma ponta de ferro para ferroar o animal, castigando-o ou indicando a direção a ser seguida. Usa também um chapéu de couro, umpeitoral e um facão, colocado numa bainha de couro pendurado no cinto.
Os bois se acostumam de tal forma com o carreiro que, muitas vezes a um simples chamado dele, se dirigem vagarosamente e ficam parados próximo ao local onde são normalmente encangados. Batizados com nomes pitorescos, como Cara Preta, Presidente, Azulão, Lavareda, Malhado, Pachola, Curió, atendem pelo nome ao chamado do carreiro.
No início o linguajar do carreiro, elemento fundamental para a manobra dos carros de boi, não passava de sons gaguejados como “ôu!”... para parar os bois ou “êi!”... para fazê-los descer ladeiras. Evoluiu depois para frases e expressões tipo “Vamos embora!” e “Volta boi Azulão!” “Carrega boi Malhado!” O carreirodirigia-se ao animal específico que queria comandar, sendo seus gritos reconhecidos e atendidos.
Além de ajudar no transporte de cana, açúcar e lenha nos engenhos, o carro de boi servia para transportar mudanças e conduzir pessoas. Havia tambem uma versão coberta. Foi utilizado como carruagem para a nobreza rural brasileira; como transporte de bandas de música das cidades para o interior e vice-versa; para levar as famílias sertanejas às festas de Natal e Ano Novo, quando eram todos enfeitados para a missão e, ainda, nas campanhas políticas, servindo de elemento de aproximação entre eleitores e candidatos.
Nos anos de 1939 a 1945, durante a Segunda Guerra Mundial, devido à falta combustível para caminhões e automóveis, o carro de boi voltou a aparecer, por algum tempo em certas regiões do País ajudando a transportar cargas e pessoas.
Atualmente, em Goiás, é utilizado pelos romeiros que vão da cidade de Damolândia para o Santuário do Divino Pai Eterno, no município de Trindade (a cerca de 74km de distância) para participar da Festa de Trindade, que acontece no final do mês de junho e início de julho. Os carros são enfeitados e participam de um desfile que é muito concorrido e apreciado pelos participantes da festa.
Na história do Brasil, o carro de boi aparece na Colônia, no Império, na República, na Revolução de 1930, no Estado Novo. Pode apresentar variações de “modelos” e nomes: carro, carroça ou carreta, como no Rio Grande do Sul, porém, nenhuma cidade, vila, povoação, fazenda, sítio, do litoral ao sertão ignora a existência deste rústico e primitivo meio de transporte, que ajudou a fazer a história do Brasil.

O carro de boi ronceiro
foi o veículo primeiro
no Nordeste do Brasil!

O carro de boi, coberto
de ganga*, toda florada
Levava em dia de festas
Pela soalheira estrada,
pela sombria floresta,
Sinhazinhas e Sinhás!...

E que cantiga dolente
para a alma dessa gente,
não tinha o carro de boi?

Hoje se um automóvel,
passa veloz, fonfonando,
deixa a saudade acordando
do tempo que já se foi...
Do carro de boi coberto
de ganga toda florada...

As pálidas sinhazinhas
transformaram-se em “granfinas”...
............................................

Desses carros, restam ruínas
Na bagaceira do engenho...

João Rogério,
pseudônimo do poeta pernambucano Regis Velho.


*tecido resistente


Recife, 24 de novembro de 2004.
(Atualizado em 25 de agosto de 2009).


FONTES CONSULTADAS:

MELO, Manoel Rodrigues da. Patriarcas e carreiros: influência do coronel e do carro de boi na sociedade rural do Nordeste. 3. ed. Natal: Ed. Universitária, 1985. p.161-218.

MOREIRA, Benedito. Das origens e da compreensão da romaria. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v. 11, n. 2, p. 293-310, mar./abr. 2001.

PEDROSO, Petronilo. Engenho banguê: termos relativos a instrumentos de trabalho, atividades e fatos da vida social. Nazaré da Mata, PE: Mousinho Artefatos de Papel, 1977. p. 31-36.

SOUZA, Bernardino José de. O carro-de-boi em grandes fatos da história nacional. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 184, p. 93-118, jul./set. 1944.
 
Socrates Di Lima
Enviado por Socrates Di Lima em 16/03/2013
Reeditado em 16/03/2013
Código do texto: T4192517
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