ÚLTIMO POEMA
A ti, minha bela, que amei constante
Mais que o próprio céu possa entender
Deixo-te — pois te faz juz receber —
Este meu último delírio cantante
Não mais que um singelo poema sincero
Mas feito com arte, donaire e esmero.
Ó tu, que entre as quatro faces de Diana,
Toda noite via, com chagas no peito
Tendo-me aos olhos delírio perfeito
Fruto do cor, à luz da Lua leviana:
Via-te a face no brilho das estrelas
Quando a aurora vinha de mim retê-las.
Mas tua alma era própria da supernova:
Luz cativante mas intermitente
Tal és tu: maravilha inconseqüente
Dor que a cada olhar fere e se renova
Espalto borrado ao léu sobre a fina
Tela de quem por ti arde e desatina.
Mais que palavras, cara amada, mais;
Não pensas que versejador qualquer
Possa ser aquele que bem te quer
Não minto a ti por vaidade, jamais!
Sei que tua beleza é por si inarrável
Quero, tolo que sou, ser-te agradável.
Mesmo derradeira, vejo uma lágrima
Talvez seja por tu não me amares
Embora não sinta mais por teus ares
Mesmo afã, real ânsia, mesma lástima
Talvez por simples saudade de ti
Que mal ganhei, tão logo já perdi.
Quem irá saber por que Deus criou
O amor unido às veras da recusa?
Que a morte por si faz-se uma escusa
Isso eu sei, desde que me contagiou
Com tal sórdido sentimento altivo
Bela a tua face alva e seu brilho vivo.
Mas tal amor é água do passado
Por quem — não escondo — posso ter sede,
Mas que não jogo mais nenhuma rede
Pois já sou farto de ser tão frustrado
Somente és agora tão-só lembrança
Doce, amarga, vendaval ou bonança.
Quero que saibas que não sou cativo
Da dor que outrora amiúde requeria
Do tal "Amor", horrenda idolatria
Sou, embora incauto, um poema vivo
Cujos versos entoam em branda escrita
A arte tersa de uma alma proscrita.
Mas não deixo de cantar tua beleza
Que sabe o mundo não houve outra maior
Testemunha disso, eis meu próprio cor
Que bate mais fraco, com incerteza,
Por perder do jardim a flor querida
Fazendo triste a estação mais florida
Bela, meu Deus, a mais bela das formas!
Que bem sabeis, não criastes outra igual
Rosa mais rubra, jóia de luz maioral,
Frente em sua imanência são todas mortas
Ah, Deus, se por bem pudesse eu tê-la
Meus olhos luziriam mais que uma estrela.
Mas aprendi a respeitar quem não me ama,
Tolerar quem, por arte, me reprova
A não fazer da cama uma cova
Mas talvez, sem ti, da cova uma cama
Oh, céus, se me deitei entre outros seios
Foi tão-só p’ra esquecer meus devaneios!
Só o desatino quando da amargura
E quem é apto a controlar seus desejos?
Se dor, recusa, vaidade, são ensejos
A nos enviarem em voraz loucura?
Agora cesso de chorar lamentos
Pois remissão e pena são meus intentos.
Mas por que hei de te dever perdão?
Se até um toque me recusavas,
Um diálogo apenas não toleravas,
Se me vias na face devassidão?
Assim como o diabo ora nos seduz
Oh, amada, foste a mim uma cruz!
Oh, mulher, destes ventos não caem rosas
E lágrimas não trazem humildade
Buscamos apenas felicidade
Mas tu somente é que dela ora gozas
Vejo outrem adular-te a face bela
Eis a sorte que o mundo me revela!
Dou graças por leres este poema
Ao invés de pores flores a mi’a cova,
Pois tal seria se o amor tirasse prova:
Sendo a mim a vida um problema
Qual solução para o fim deste inferno
Senão clamar p'ra breve o leito eterno?
Mas eis que urge pôr fim a estes versos
Que como a vida, hão de ser mui breves
Caso em consideração não os leves
Mas a mim, que te amo, serão eternos
Como o vento, a chuva, o pranto, a dor
Enfim, como dádiva, como amor.