Ele, o ausente

De repente eu entendi,

eu entendi o que ele era,

o que ele representava,

o que ele ofertava a vocês,

a fragilidade, a ausência,

a dificuldade, o impossível,

o inalcançável, o sofrimento,

as lágrimas, a infelicidade,

era isso que todas vocês,

sem nenhuma exceção,

desejavam ardorosamente nele,

lutavam desesperadas por ele,

amavam cada fragmento,

mesmo sem um rosto,

mesmo sem uma voz,

mesmo sem um físico,

o etéreo de um fantasma,

a ilusão de uma farsa,

a tristeza de uma finitude,

tudo isso as seduzia,

tudo isso e nada disso,

porque ele era um nada,

ele era uma mentira,

o conteúdo não era dele,

era só mais um drama

sem um final feliz,

sem uma vida juntos,

sem uma realidade,

e ainda assim, o amavam,

o amavam mais do que outrem,

amavam mais do que seres humanos,

amavam com uma intensidade,

amavam sem nunca amar assim de novo,

amavam o não ter, a escassez dos sentidos,

amavam o vazio, o poço sem fundo,

amavam a incerteza, a insegurança,

amavam o perigo, o desafio eterno,

e para ele dedicaram músicas, juras,

romances, poesias, afetos de alma,

para ele entregaram-se por inteiro,

nele se imiscuíram e se perderam,

e mesmo sem ele continuaram presas,

por escolha própria, por livre decisão,

e por ele, afastaram quem se fez presente,

rejeitaram carne e osso, coração e sentimentos,

desviaram os olhos do que era palpável,

fugiram ao que era seguro e protetor,

desprezaram o que era possível,

ou aceitaram sem reciprocidade,

aceitaram sem intensidade,

aceitaram sem compromisso,

aceitaram sem planos de futuro,

aceitaram sem aceitar totalmente.

No final, ele continua vivo, bem vivo,

vocês, as viúvas de um personagem,

e quem morreu de coração partido,

fui eu, tão somente eu...