"Crescei e Multiplicai" =Poesia/Crônica do Cotidiano=
Era uma família bem pobre
Mas uma família admirável
Depois d’um esforço nobre
Tornou-se família miserável
Todo ano vinha mais um filho
E o barraco ia se enchendo
Arroz, feijão, farinha de milho
Cada vez mais gente comendo
Quatro dormiam numa cama
Cinco dividiam o pouco chão
“Dorme logo e não reclama
Vê se não chuta o teu irmão..”
Onde comem sete, comem oito
Desde que não tenha frescura
Nada de “iorgurte” ou biscoito
A “farta” de tudo é a “fartura”...
Cada vez mais comendo menos
Cada vez menos havendo ceias
Aceitando o infortúnio, serenos
Dividiam até um par de meias
Mas a família cresceu na idade
Vendo as diferenças gritantes
Para as mocinhas veio a vaidade
Pros meninos os vícios excitantes
“Menina, te dou um dinheirinho
Mas que me faça umas coisinhas
Depois tu compra um vestidinho
Ou até mesmo umas calcinhas...”
“Garoto, leve isso até ali adiante
E vais faturar uma boa grana
Aqui nós domina, nós é traficante
A polícia que não se meta a bacana
Ou tu é trouxa igual o teu pai
Que trabalha duro o dia inteiro?
Onde a miséria tá, teu velho vai
Na lida besta de ser um pedreiro”
Tevê de vinte e nove polegadas
Games pelo mundo aos milhares
Para a família as roupas rasgadas
Ou sapatos que não faziam pares
A tentação cada vez mais forte
Os apelos comerciais também
“Viver assim? Melhor a morte...
Tanto bandido se dando bem...”
Na ilusão da sorte, impunidade
Para o crime o caçula se dirigiu
Uma carreira fugaz de verdade
Mal começou uma bala o atingiu
As moças, agora mulheres da vida
Oferecem os corpos na madrugada
“Não falta comida e nem bebida...
Melhor isso que viver esfomeada”
Os rapazes, ignorantes, resolutos
Tentaram a sorte na marginalidade
“Trabalho duro? Coisa de matutos
Queremos é grana de verdade..”
Lá no velho barraco quase deserto
Lamenta e chora um velho pai:
“Deus, eu que me achava tão certo
Obedecendo o “Crescei e multiplicai”..