34° andar (alguém que já se foi)

Elevador quebrado de novo

Escada por escada eu vou subindo exausto

Paredes igualmente cinzas se descascam a minha volta

Degrau por degrau eu sinto a minha vida ser levada embora

Vou subindo o edifício em passos rápidos, tenho pressa.

E lá de cima observo a cidade sem fim me abraçar

E imagino todos os dias perdidos nas mentiras que criei

Vejo pelas luzes tão vibrantes e frias

Que as vidas que me rodeiam seguem seus rumos

Eles sempre passam por mim e não me notam

Nas avenidas tão longas eu caminho em desespero

Nós nos vemos e nos ignoramos, é melhor assim.

Em automóveis tão distantes que desaparecem na chuva

Aviões, caminhões, papeis, crianças...

Tudo se espalha pela imensidão aqui de cima, nada mais faz sentido.

Na varanda do 34° andar eu vejo um mundo ao qual não pertenço mais

O quarto vazio me mostra rostos nas paredes dos quais mal me lembro

Rostos de épocas tão antigas que me deixaram sem que eu percebesse

Onde cada cruzamento de vidas parecia único

De repente ecoavam lembranças pelos cantos

Onde anjos tristes derramavam suas desilusões em pequenas poças

De sonhos e sangue que espalham dores pelas ruas escuras

Dou um grito de desespero, um desabafo quase inumano

Cada momento que volta me trás imagens de um passado

Que tentei apagar debaixo das cinzas

Daqui de cima só consigo ter um desejo

Nesse momento onde as dores me trazem de volta a memória

O velho gosto das angústias e das perdas

A garoa já é quase chuva e vem entrando pela janela

O carpete se encharca em um brilho de relâmpagos fracos

As trovoadas ao longe se confundem em acessos de fúria

Não agüento mais!

Ensopado, eu me debruço diante do mundo que me abandonou

Um triste olhar do 34° andar da minha vida

Tudo o que arranjei em tantos anos de sacrifícios

Tentei fazer tudo dar certo da maneira mais errada

Estou cansado demais agora, talvez até para continuar.

Cansado demais para saber o que vem depois da escuridão

Cansado demais para abraçar a chuva e me entregar para a sorte

Nem o álcool resolve meus problemas mais

Estou em coma, estacionado no meu próprio pensamento difuso.

Vou me despedindo da lucidez num estado terminal

Preciso que alguém me segure dizendo que vai ficar tudo bem.

Estou cansado demais para pensar no que vem depois da minha morte

No 34° andar eu desisto de continuar em frente

Não é mais como antes, agora estou perdido dentro de mim

Num labirinto de horas, um devaneio profundo em busca de redenção

E não encontro nada além de mim mesmo, nunca houve nada no horizonte além do fim.

E é aqui que acaba essa carta, na qual me despeço da vida.

Uma carta jogada do 34° andar de uma ilusão

Uma carta para ninguém mais ler

Apenas um desabafo de alguém que já se foi

Alguém que já deixou os sonhos voarem e foi embora sem eles