O Cálice Vermelho

I

Pai, afasta de mim esse cálice

Seu conteúdo só me dá dor de cabeça e cirrose

Seu vinho é seco e amargo tal qual o amor não correspondido

Feito de uvas azedas, tão azedas

Parece que foi fermentado nas videiras de Caótica

Mas seu gosto não sai da memória de jeito nenhum

Quando eu amarrei aquele fogo dos diabos naquela quinta-feira

Que me fez trançar as pernas

É fácil para alguém que escreve poesias ficar choramingando de seu amor platônico

Parece até refugo do romantismo

Mas, quando você está assim, velho

Aí, meu chapa, aí não tem jeito mesmo

Pode ser o maior galinha, o maior turrão, o maior coração de gelo

Quando acontece, não tem mais jeito de sair

Você perde o controle

Você se desequilibra bonito

E treme as pernas quando olha para ela

II

E eu estou aqui, como sempre, enchendo o saco

Com as minhas reminiscências de sempre

Choramingando o platonismo

Maldito grego, não devia ter o que fazer

Para inventar essa filosofia

Ela me deu somente provas de amizade, nada mais

Gosta de mim, mas como amigo

Deve ter algum outro amor que não eu

E tudo isso vai sendo socado para dentro do cálice,

Boiando no meio da dose de vinho de R$0,25

III

E agora, meu camarada?

Imagens e sons bóiam no resto de vinho do fundo

Reprises, copiosas repetições

Mesmo com essas reconstituições

Não consigo entender porque diabos comecei a olhar para ela

Será que alguém tem a resposta?

Alguém, pelo amor de Deus, pode me responder?

IV

Mas a resposta está perto, mais perto que do fundo do cálice

No vermelho do tinto, no prateado do branco

Desenha-se a imagem dela

Longos cabelos negros de linho, olhos que parecem estrelas amendoadas

Uma eterna doçura sorridente

Diferente de muitas por aí, que são fáceis e frescas

Acredite, cara, o vinho faz milagres

V

Segundo os cristãos, o vinho é um sangue milagroso

Há nele o vermelho de Cristo

O vermelho de Marx

O vermelho da prosperidade, segundo os japoneses

O vermelho da força

Talvez o cálice rubro seja realmente milagroso

Para curar as fases depressivas que a gente passa

VI

Meu Deus, será que eu virei romântico?

Para escrever poesias de amor?

Mas, graças a Deus, estou calmo

Amor e humor caminham juntos

Porque humor é sinônimo de alegria

E, amando-a, é isso que me vem na alma

José Marcelo Siviero
Enviado por José Marcelo Siviero em 13/05/2006
Código do texto: T155290