O Adeus

(Ler pausadamente, pensativamente.)

Uma sirene de ambulância

ecoa na distância.

Quem me garante que não estejam

levando você?

Quem me garante

que não levam a mim?

O mundo escurece

quando penso em você;

em volta de meus ouvidos

dançam as palavras

que nunca pensei em ouvir.

O que chamamos morte,

o que denominamos vida

são meras palavras num dia de sol.

Quando não reconhecemos o cenário,

nossos sentidos

ganham um novo sentido.

Eu saio lentamente,

não sem antes fechar a porta

cuidadosamente.

Mergulho em mim mesmo,

antes que a lembrança me sufoque.

Penso sentir o gosto.

Penso sentir o toque.

Só agora eu vejo.

Só agora eu vejo.

O que chamamos certo

esteve errado desde o princípio.

O princípio das dores redentoras

de um parto celestial.

Deixem-me nascer em paz...

Só agora eu vejo.

Só agora eu vejo.

Dardos, canoas, palanques,

rodas, mordaças, enxertos,

óculos, baldes, canetas, advérbios, mordidas,

cartazes, cenouras, cerejas, flores, pistolas:

o que não nos compromete?

E o que denominamos país?

Rostos contritos chorando

e rindo convulsivamente.

Contas bancárias mal-usufruídas.

Automóveis...

Latas são objeto de orgulho.

Casas – palcos de guerras milenares.

Igrejas,

mistérios criados pelo homem

para fugir dos mistérios da natureza.

Mas neste momento supremo

deixo-me levar ao meu destino.

Uma cápsula espacial perdida

entre imensas bolhas

de matéria etérea.

Adeus,

adeus,

adeus,

até logo, bom fim de semana.

Nos reencontraremos no dia da ressurreição,

nos veremos no Tártaro

ou nos campos Elíseos,

ou no imenso vazio

que separa as galáxias,

em algum ponto do universo

onde tudo é absoluto...

Adeus,

adeus,

adeus,

até logo, bom fim de semana.

Adeus,

adeus,

adeus,

boa sorte, eu te amo,

bom fim de semana.