PASSARINHO
O tempo da poesia passou
Tudo se calou
Sepultada no fundo dos túmulos
Inspiração chora
Versos insípidos
Sobre o mármore reluzente
Não se segura as mãos nas ruas
Não se anda abraçados
Flores murchas de datas marcadas
Secam nos cachepós
O cupido foi substituido
Por álcool e anabolizante
Vive-se pelo prazer momentâneo
Ninguém cultiva sentimentos
Estrelas vagam pelo céu
Abandonadas pelos enamorados
Riscos impossíveis de meteoros
Covas rasas nos jardins
Musas semidespidas malham nas academias
Sacrifícios em regimes de pílulas
Cortes em clínicas de emagrecimentos
Beliverantes desfiles de sexo nas areias
Torrando corpos suados e esquálidos
Esculturas de silicone e cêra
A lua dorme num colchão de nuvens poluidas
Enquanto a sexualidade da juventude
Explode em desespero infrutífero
Nos embalos das raves sepulcrais
E dos conglomerados funqueiros
Exposta aos ratos drogados
O tempo da poesia passou
Tudo se calou
A feminilidade humilhada
Pela selvageria da propaganda
Baixaria e pornografia
A violência pela violência
As moedas enferrujaram no lodo dos poços
Desejos perdidos nos fios de cobre dos telefones
Viradas culturais a federem urina e vômito
Conspurcadas por interesses políticos
O lirismo enxotado para a periferia
Longe das pirâmides de vidro e aço
O sol derrete as lajes de concreto
Faces de subúrbios descontruidos
Pelo suor e sofrimento repressor
Crianças enxarcadas de ódio e ganância
Carnaval de instintos reprimidos
Mausoléos da lúxuria e do ócio
Cavaleiros fantasmas em romaria
Empunham espadas de São Jorge
Contra imensos moinhos sanguinolentos
As rimas medíocres da degradação humana
Chamas corrompidas pelo comércio da alma
A queimar as estrofes perfeitas dos sonetos
O tempo da poesia passou
Tudo se calou
Promessas desfeitas
Laços rompidos
Corações partidos
Canções amargas