Minha música, meu adeus

A música da minha vida começou num dia sem sol

E me acompanhou durante todas as partidas

Num lamento das noites passadas em branco

Na mudez insensata dos olhos que choraram o fim da infância

Por onde passei, restaram apenas saudades, momentos apagados no tempo.

A vida foi complicada demais para alguém como eu

Sem pressa, sem medo.

Eu sempre esperava mais do que podia conseguir

E sempre conseguia muito mais do que podia esperar

Já não me importo mais com o que vem depois

A música da minha vida parece nunca parar de tocar

Um momento atrás do outro ela recomeça

Mesmo repetida, eu nunca cansei de ouvi-la

Nunca cansei de tentar, nunca cansei de viver

Mesmo não conseguindo ser nada além de mim mesmo

Melhor ser apenas ninguém, ser apenas poeira

Ser apenas a gota da chuva que se solta e se perde na imensidão do mar

As ondas da vida que me levaram lentamente

Observo a cidade nesse fim de dia

Eu lamento o pôr do sol entre as fiações e pessoas que passam

A solidão passa quase despercebida

Um dia quis preencher o vazio dentro de mim

Mas logo vi que estava muito longe disso

Nesse dia decidi pegar a estrada rumo ao desconhecido

Na beira da praia, no centro da cidade, no topo do mundo.

Não havia mais o que pensar, não havia para onde voltar

Houve apenas a melancolia passageira dos minutos

A vida voava e vai voando sempre longe, sempre ligeira

E eu fico aqui, vou ficando sempre perto do fim de tudo.

Sem pressa de morrer, sem vontade de seguir no escuro.

Tudo o que aconteceu a minha volta foi passando

O mundo vai mudando e eu permaneço o mesmo

Vou ficando sem pressa de me ver feliz, sem medo de morrer sozinho

Ainda lembro de tudo, mas já não posso sentir saudade

Atrasado nos pensamentos, eu sigo sem deixar pegadas

Nem percebo que morri e que o meu tempo já passou

Esqueci de me despedir daqueles que amei

Esqueci do quanto gostava da vida

Minha música toca mais uma última vez

E eu me deito perdido nos sonhos debaixo das árvores escuras

Me perdi num beco, na chuva, na estrada vazia

Acordo na estação de trem onde eu vou embora

Estão todos aqui, toda minha vida em um segundo eterno

Sem pressa, sem medo, sem nada.

Entorpecido pelas lágrimas, apagado pela chuva

Eu me desfaço e me despeço no papel molhado

A última foto que se acaba

Minha música parou de tocar